Amigos do Fingidor

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Doenças e curas adaptadas ao movimento social


João Bosco Botelho


Com a consolidação do sedentarismo no Neolítico, importantes modificações foram se processando nos grupos sociais que habitavam a Mesopotâmia, a Índia e o Egito. Nessa fase, se iniciou a modificação da economia produtora de subsistência coletiva para a divisão de trabalho, o aparecimento do excedente de produção e as trocas comerciais.
Na urbanização, nas margens dos grandes rios, Indo, Nilo e Mesopotâmia, as sociedades mostravam-se francamente hierarquizadas. A propriedade privada se fortaleceu também, possibilitando o processo de assentamento duradouro dos grupos humanos, que evoluiriam para a organização das primeiras aldeias. Esse aldeamento estratificado é encontrado em torno de 5.000 anos.
Os aldeamentos deram lugar às cidades, cujas edificações foram sendo construídas com material permanente, argamassa, madeira e pedra tratada, como produto da transformação e fortalecimento dos grupos humanos sedentários. Essa fantástica e rápida mudança gerou as civilizações com culturas-linguagens regionais. Entre elas, destacaram-se pela organização social em torno da posse territorial: a babilônica, a egípcia e a indiana.
Nesses grupos, floresceram práticas médicas que influenciaram, direta ou indiretamente, o pensamento ocidental em torno da vida e da morte, da saúde e da doença.
Essas civilizações regionais assimilaram formas de governos, predominando o teocrático de regadio e o mercantil-escravista. As guerras fratricidas frequentes e contínuas ofereciam os saques como produto final, novos escravos e territórios, fortalecendo a propriedade privada e a escravidão. Durante as guerras, deve ter ocorrido participação ativa dos médicos, principalmente, no manuseio das grandes feridas traumáticas e amputações dos membros dilacerados.
Significativas mudanças sociais acompanharam o sedentarismo. Entre algumas mais significativas que contribuíram para aumentar as trocas do excedente da produção e fortalecer a maior especialização, destacaram-se: os metais fundidos, o cobre, a mecanização da agricultura (com os arados primitivos) e o barco a vela.
Incorporadas nesse contexto de mudanças rápidas, surgiram novas relações com o corpo humano, notadamente, certo desvendar do escondido atrás da pele patrocinado pelo manuseio, nos rituais de sacrifício religioso e nas condutas para evitar a putrefação depois da morte.
De certa forma interferindo no complexo conjunto gerador do sedentarismo, as mudanças climáticas ocorridas, por volta de 10.000 anos, na Europa, também proporcionaram incríveis transformações nas relações sociais dos caçadores-coletores. O recuo das geleiras provocou a migração da fauna em direção às regiões setentrionais, com a consequente substituição das estepes pela floresta, obrigando a outras adaptações.
Essa última grande modificação climática do planeta, resultante do deslocamento das geleiras, interferiu na passagem do antepassado caçador‑coletor para caçador‑plantador. O fato representou tamanha importância que pode ser compreendido como fase intermediária para a concretizar a cultura sedentária. Foi quando as comunidades neolíticas optaram pela vida ligada à posse do território, ao contrário das anteriores que eram nômades.
Essa transformação social, também chamada de revolução agropastoril do Neolítico, se processou como o produto final de combinações de circunstâncias que levaram o homem a tirar da terra parte do sustento, impondo profundas reconstruções no entendimento das doenças e da saúde.