João
Bosco Botelho
A
transformação social, também chamada de revolução agropastoril, do Neolítico se
processou como o produto final de combinações de circunstâncias que culminaram
com técnicas para retirar da terra parte do sustento, sem dúvida, impondo
profundas reconstruções no entendimento das doenças e da saúde.
Fortes
indícios arqueológicos apontam para a valorização de certos elementos sagrados em
torno do entendimento da morte. Alguns continuaram acompanhando as muitas
linguagens-culturas nas novas trajetórias de conquistas. O espaço dominante foi
deslocado, efetivamente, em direção das terras férteis próximas aos rios e lagos.
O lago
de Stellmoor, próximo de Hamburgo, na Alemanha, foi especialmente significativo.
Muitos objetos, aparentemente sagrados, com datação de 8.000 anos, assegurada
pelo carbono 14, foram encontrados enterrados próximos das margens. Um deles
despertou muita atenção: a estaca de pinho com um crânio de rena na sua porção
mais alta, por certo esculpida por caçadores-coletores, já sedentários, que valorizavam
esse animal como fonte de sobrevivência.
Em
outra área de pesquisa arqueológica neolítica, não muito distante da anterior,
foi resgatado um tronco de salgueiro com mais de três metros de comprimento,
grosseiramente esculpido evidenciando a cabeça e o pescoço de uma figura
humana.
O
simbolismo expresso nos totens está claramente configurado na convivência de
dois momentos distintos do universo mítico da pré-história: a divinização do
bicho e a do próprio homem. Parece lógico pressupor não ser difícil a quem já
tornou sagrado o circundante, tomar para si a sagração.
As práticas
médicas provavelmente inseridas como especialidade social nessa fase do
desenvolvimento social sofreram influências das interpretações mágicas da
natureza, ligadas à terra cultivada: complexo sincretismo das crenças herdadas
do nomadismo, com as outras, mais recentes, do sedentarismo.
As
heranças das linguagens-culturas dos caçadores-coletores, ligando-os aos
animais, simbolizadas na pintura rupestre do médico-feiticeiro, na gruta Trois
Frères, situada na fronteira franco-espanhola, e na escultura da mulher
grávida, em processo de parto, mostrando grande edema vulvar, sem conseguir
parir, sob a rena de mamas túrgidas, deixaram traços definidos na nova
adaptação às mudanças provocadas pelo cultivo da terra e pelo pastoreio.
A divisão
de trabalho que se seguiu interferiu decididamente no tipo de doença do homem
como consequência da aquisição de novos hábitos sociais e da maior intimidade
com a terra cultivada, onde vivem a maior parte dos vermes que continuam
parasitando humanos e animais.
As
relações míticas do homem com o animal, que predominaram na pré-história, foram
modificadas com a terra cultivada. A ordem religiosa anterior foi substituída
pela solidariedade mística com o vegetal. O osso e o sangue foram deslocados
pela terra para o esperma. Ao mesmo tempo, ocorreu a ascensão da mulher no novo
espaço social, porque passou a ser reconhecida, tal como a mãe-terra reproduzia
o alimento indispensável à vida, como a reprodutora do homem no seu próprio corpo.
O
simbolismo sexual se tornou evidente nas muitas esculturas dos instrumentos
para arar a terra em forma de falo e das figuras femininas obesas com enormes
mamas, conhecidas como Vênus pré‑históricas. O pênis ao penetrar na mulher para
fecundar passou a ser comparado ao arado rasgando a mãe-terra para germinar o
alimento, garantindo a sobrevivência do grupo.