Amigos do Fingidor

segunda-feira, 19 de março de 2018

A favor de Marielle Franco: reflexões sobre a canalhice



Zemaria Pinto


As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.
(Umberto Eco – entrevista – 2015)

E as notas dissonantes se integraram
ao som dos imbecis
(Caetano Veloso – Saudosismo – 1968)

Eu sou a favor do aborto. Da descriminalização da maconha. Do reconhecimento dos gêneros (falar em ideologia, no caso, é ignorar o que é ideologia). E sou ateu – só não completo com um “graças a deus”, porque é piada velha. E mais que ateu, sou anticristão – qualquer que seja a vertente do cristianismo: do papa Francisco ao padre João, do mala Malafaia ao pregador Raimundo.

Espero que não me matem por tão pouco.

No mais, o lixo que circula na Internet é usado para caluniar os que pensam de forma dissonante. Repito aqui o velho Marx: a única função do filósofo é duvidar. Marx, que jamais foi marxista, apenas repetia o que Sócrates – via Platão – já afirmara há mais de dois mil anos. Mas como não sou filósofo, me valho do poeta Torquato: vai, bicho, desafinar o coro dos contentes!

Marielle Franco era uma nota dissonante no coro dos contentes. Por isso foi assassinada, covardemente. Tira essa última palavra, porque todo assassinato é covarde. Os sujeitos que escreveram a Bíblia acertaram em cheio ao alegorizar o assassinato de Abel pelo covarde Caim. E olha que eles eram judeus – como poderiam ser negros, homossexuais, maconheiros; mulheres, talvez.

Os que acham que a defesa dos Direitos Humanos é coisa de vagabundo e defendem a pena de morte – ou a simples execução para quem pensa diferente, seja pelos esquadrões da morte, pelas milícias militares e paramilitares ou pela intervenção institucionalizada; os que pensam assim, esquecem que os Direitos, numa sociedade democrática, são de todos – e não apenas dos que pensam como eles, que formam o coro dos contentes imbecis, que não questionam nada e, principalmente, não se questionam.

Um último toque: um artista, e aqui incluo os escritores, não precisa ser de esquerda para ser artista. Esse é um mito estúpido, que precisa ser combatido. Estão aí o ariano Wagner; o catolicão Elliot; os fascistas Pound e Borges; o nazista Heidegger; o machoman John Wayne; o topetudo Elvis; o patropi Benjor; o reaçamor Nelson Rodrigues. Declaro de público que os amo, a despeito da ideologia. Mas um artista não pode ser canalha. Não pode injuriar, caluniar, difamar, mentir.

Ei, no parágrafo anterior, onde se lê artista, leia a sua profissão. Substitua os exemplos, por exemplos dessa profissão.

Entendeu?


Marielle, por Amarildo - com poema de Eduardo Alves da Costa.