Zemaria Pinto
As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que,
anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano
à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora
eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da
internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.
(Umberto Eco – entrevista – 2015)
E as notas dissonantes se integraram
ao som dos imbecis
(Caetano Veloso – Saudosismo – 1968)
Eu sou a favor do aborto.
Da descriminalização da maconha. Do reconhecimento dos gêneros (falar em
ideologia, no caso, é ignorar o que é ideologia). E sou ateu – só não completo
com um “graças a deus”, porque é piada velha. E mais que ateu, sou anticristão
– qualquer que seja a vertente do cristianismo: do papa Francisco ao padre
João, do mala Malafaia ao pregador Raimundo.
Espero que não me matem
por tão pouco.
No mais, o lixo que
circula na Internet é usado para caluniar os que pensam de forma dissonante. Repito
aqui o velho Marx: a única função do filósofo é duvidar. Marx, que jamais foi
marxista, apenas repetia o que Sócrates – via Platão – já afirmara há mais de
dois mil anos. Mas como não sou filósofo, me valho do poeta Torquato: vai,
bicho, desafinar o coro dos contentes!
Marielle Franco era uma
nota dissonante no coro dos contentes. Por isso foi assassinada, covardemente.
Tira essa última palavra, porque todo assassinato é covarde. Os sujeitos que
escreveram a Bíblia acertaram em cheio ao alegorizar o assassinato de Abel pelo
covarde Caim. E olha que eles eram judeus – como poderiam ser negros,
homossexuais, maconheiros; mulheres, talvez.
Os que acham que a defesa
dos Direitos Humanos é coisa de vagabundo e defendem a pena de morte – ou a
simples execução para quem pensa diferente, seja pelos esquadrões da morte,
pelas milícias militares e paramilitares ou pela intervenção
institucionalizada; os que pensam assim, esquecem que os Direitos, numa
sociedade democrática, são de todos – e não apenas dos que pensam como eles,
que formam o coro dos contentes imbecis, que não questionam nada e,
principalmente, não se questionam.
Um último toque: um
artista, e aqui incluo os escritores, não precisa ser de esquerda para ser
artista. Esse é um mito estúpido, que precisa ser combatido. Estão aí o ariano
Wagner; o catolicão Elliot; os fascistas Pound e Borges; o nazista Heidegger; o machoman John
Wayne; o topetudo Elvis; o patropi Benjor; o reaçamor Nelson Rodrigues. Declaro de público que os amo, a
despeito da ideologia. Mas um artista não pode ser canalha. Não pode injuriar, caluniar,
difamar, mentir.
Ei, no parágrafo
anterior, onde se lê artista, leia a sua profissão. Substitua os exemplos, por
exemplos dessa profissão.