Pedro Lucas Lindoso
Aparentemente os verbos catar
e flutuar não têm nada em comum com separar.
Separar significa principalmente desunir, apartar, isolar,
afastar um do outro. Já catar significa buscar, procurar; pesquisar, escolher,
selecionar.
Deixemos o flutuar para depois.
Há um conhecido ditado que diz “separar o joio do trigo”.
Alguns não sabem que a origem é bíblica. Muitos textos bíblicos se tornam
provérbios. Segundo o Evangelho de Mateus, durante o Juízo Final, os anjos vão
separar o joio do trigo. Ou seja, separar os bons dos maus.
Havia um tempo em que as cozinheiras tinham que “catar” o
feijão. Hoje a indústria já entrega o feijão “catado” ao consumidor urbano.
Sobre o assunto, João Cabral de Melo Neto escreveu magistral poema, com
precioso exercício de metalinguagem. E nos brindou com esta maravilha:
Catar feijão se limita com escrever:
Joga-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Porque me lembrei desse poema? É tempo de castanha! Um dos
meus tios tinha um castanhal, no rio Madeira. Conversando com um primo nascido
por lá, me contou o seguinte.
Depois de coletadas, retiradas do ouriço e colocadas em
cestas, as castanhas são levadas para o rio, onde são mergulhadas. Aquelas que
flutuam não prestam e são descartadas. As boas são colocadas em sacos e levadas
para a sede do Castanhal.
Se João Cabral fosse amazônida e não nordestino, poderia ter
feito assim:
Lavar castanha se limita com escrever:
Jogam-se as castanhas na água do rio.
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Fiz essa paráfrase pensando que, como os grãos de feijão e as
castanhas, as palavras ruins flutuam. E devem ser eliminadas.
Ah! Infelizmente, não só feijão, castanhas e palavras flutuam
por imprestáveis. Há pessoas que flutuam em nossa vida. Como nem sempre podemos
descartá-las, só nos resta esperar que a correnteza do destino as leve para
longe de nosso convívio.