João Bosco Botelho
No medievo europeu, quanto maior a miséria coletiva maior o
chamamento à caridade. Portugal, particularmente castigado pela peste negra,
mais de vinte surtos registrados entre 1188 e 1496, junto às guerras intestinas
da nação portuguesa, o quadro desolador se mostrou tão desesperador que o
enterro dos mortos se tornou impossível: os cadáveres acumulavam-se por toda
parte, dando um aspecto da chegada do fim dos tempos e o cumprimento das
previsões apocalípticas.
Esse contexto de necessidades coletivas influenciou o
crescimento das corporações-confrarias-irmandades ao longo das margens do rio
Tejo, no trajeto que ligava Portugal à cidade espanhola de Compostela, onde
ficava a igreja de São Jaime, o mais importante santuário cristão depois de
Jerusalém, existiam centenas de pequenos albergues utilizados pelos peregrinos,
que se dirigiam em romaria para pagar promessas e implorar por saúde.
A lepra, um dos flagelos que assolava o homem medieval, não
distinguia ricos e pobres, poderosos e despossuídos. A desfiguração da doença
repugnava todos os próximos, em especial os familiares, não só pelo aspecto
grotesco da deformidade, mas também pelo medo de contrair a enfermidade. Os
leprosos, desamparados pelos familiares, tornavam-se itinerantes e rumavam
munidos de matracas, anunciando a passagem, à procura da ajuda divina nos
muitos santuários milagreiros anunciados pela Igreja. A maior parte deles
morria da fome ou das complicações da doença, enquanto outros ficavam pelo
caminho nas albergarias que os acolhiam. Esses edificações, na maior parte
miseráveis, por receberam leprosos, com o passar dos anos ficaram conhecidos
como leprosários.