Amigos do Fingidor

quinta-feira, 1 de março de 2018

Miséria social e caridade 1/2



João Bosco Botelho


No medievo europeu, quanto maior a miséria coletiva maior o chamamento à caridade. Portugal, particularmente castigado pela peste negra, mais de vinte surtos registrados entre 1188 e 1496, junto às guerras intestinas da nação portuguesa, o quadro desolador se mostrou tão desesperador que o enterro dos mortos se tornou impossível: os cadáveres acumulavam-se por toda parte, dando um aspecto da chegada do fim dos tempos e o cumprimento das previsões apocalípticas.
Esse contexto de necessidades coletivas influenciou o crescimento das corporações-confrarias-irmandades ao longo das margens do rio Tejo, no trajeto que ligava Portugal à cidade espanhola de Compostela, onde ficava a igreja de São Jaime, o mais importante santuário cristão depois de Jerusalém, existiam centenas de pequenos albergues utilizados pelos peregrinos, que se dirigiam em romaria para pagar promessas e implorar por saúde.
A lepra, um dos flagelos que assolava o homem medieval, não distinguia ricos e pobres, poderosos e despossuídos. A desfiguração da doença repugnava todos os próximos, em especial os familiares, não só pelo aspecto grotesco da deformidade, mas também pelo medo de contrair a enfermidade. Os leprosos, desamparados pelos familiares, tornavam-se itinerantes e rumavam munidos de matracas, anunciando a passagem, à procura da ajuda divina nos muitos santuários milagreiros anunciados pela Igreja. A maior parte deles morria da fome ou das complicações da doença, enquanto outros ficavam pelo caminho nas albergarias que os acolhiam. Esses edificações, na maior parte miseráveis, por receberam leprosos, com o passar dos anos ficaram conhecidos como leprosários.