Pedro Lucas Lindoso
Os dicionários explicam que ticar é “dar baixa em, mediante
sinal em forma de V, em parágrafo, alínea, palavra, parcela de uma soma etc.
Checar.”
O fato é que o pessoal do resto do Brasil não sabe ou não
conhece a expressão ticar peixe.
Milton Hatoum, em seu festejado livro Cinzas do Norte, utiliza o verbo ticar: “senti cheiro de limão,
alho e pimenta, e vi tia Ramira ticando peixe na cozinha.”
Vem à mente um leitor do sudeste imaginando Ramira com uma caneta
ou lápis na mão, conferindo peixes. Como seria isso possível?
Todo amazonense sabe que ticar o peixe é limpar o peixe.
Deixá-lo sem espinha. Ticar peixe é uma arte! Tem que ter agilidade e
concentração. O ato de ticar peixe é feito com o auxílio de uma faca. Uma
pequena peixeira. Outra palavra bem amazônica. A peixeira não é só uma
vendedora de peixes. A peixeira é um facão curto e muito cortante. Com auxílio
de uma peixeira bem amolada vai-se aplicando vários golpes até o peixe ficar
“tratado”. Pronto para ser frito ou cozido. Uma sardinha amazônica frita quando
“bem ticada” é uma delícia.
Era domingo e fui ao nosso mercadão Adolpho Lisboa. Observei
um peixeiro ticando peixes. Calculo que tenha dado dezenas e dezenas de golpes
em cada lado do peixe. Havia um leve cheiro de pitiú no ar.
Explicou-me que aprendeu a ticar peixes com sua mãe, já
falecida. E que agora tinha feito um curso para retirar espinhas do pescado. No
início foi um pouco difícil. Disse-me que tirar espinha é uma coisa e ticar o
peixe é outra. Sempre foi bom em ticar o peixe. Mas tem treinado a retirada das
espinhas.
Vai depender do tipo de peixe. O tambaqui, por exemplo, não
tem só espinha. Tem costela!
Nosso amigo peixeiro pretende ficar tão bom em retirar
espinhas quanto em ticar. Pretende vender o peixe “tratado” para restaurantes e
peixarias da cidade.
Atenção pessoal do sudeste. Pitiú significa cheiro forte
característico do peixe. Ticar o peixe não é “checar” o peixe. Coisas
diferentes!