Amigos do Fingidor

quinta-feira, 12 de julho de 2018

A medicina e o caos 2/2



João Bosco Botelho


Foi sem dúvida o matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) quem demonstrou a instabilidade mesmo em sistemas simples. Este pensador acabou ficando conhecido também pela sua colocação acerca da comodidade da ciência, onde as teorias científicas traduziriam unicamente a arbitrariedade da razão com o objetivo de tornar inteligível um conjunto de fatos observados. A atual compreensão de instabilidade regendo o conjunto que mantém a vida no planeta é absolutamente fantástica e preocupante ao mesmo tempo. É fantástica porque nos fez mergulhar na incerteza angustiante, e é preocupante porque colocou por terra as certezas acabadas. O estudo do caos está abrindo a matemática aos sentidos do homem onde a sua capacidade de abstrair formas espaciais foi incorporada à uma geometria muito diferente da euclidiana. Mesmo com a indiscutível indeterminação de Heisemberg somos hoje capazes de imaginar como é a projeção espacial de uma molécula de ADN e o feedback (retroalimentação) dos hormônios hipotalâmico hipofisário no controle das glândulas endócrinas (tireoide, ovário, testículo, suprarrenal), para o equilíbrio de muitas funções vitais do homem. 
O avanço foi concomitante em várias direções. Um novo entendimento de espaço surgiu e envolveu o caos trazendo subsídios ainda maiores e mais concretos para romper o equilíbrio tridimensional. 
Parece ser adequado continuar discutindo que a doença, enquanto abstração nominada pelo homem, será compreendida como fenômeno dinâmico e mutante no tempo capaz de ser estudada fora do espaço euclidiano. Haverá tempo em que a biologia perguntará: em qual espaço você deseja estudar o hipertireoidismo? É claro que este espaço não se refere ao tamanho da sala, mas a descrição da estrutura geral do objeto a ser investigado. 
O simples raciocínio da hierarquização orgânica (só estamos tratando dos seres vivos) pode reforçar essa suposição. Do organismo vivo até as partículas subatômicas conhecidas, o caos pode passar sucessivamente pelos sistemas orgânicos (respiratório, digestivo, urinário etc.), órgãos, tecidos, células, organelas (ribossomos, mitocôndrios etc.), moléculas, átomos e partículas subatômicas. O mais fascinante é o fato não se esgotar aqui. Existem sistemas matemáticos que apesar de serem determinados não são, como seria de esperar, previsíveis. Não existe nenhum fator desconhecido que possa justificar a falha da previsibilidade. Esta ocorre pela incapacidade do homem para representar a infinitude.          
Sendo partes do mesmo todo, é possível que a teoria do caos contribuirá também para a melhor compreensão dos sistemas vivos sob o prisma da termodinâmica. Hoje continua sendo muito difícil entender como o homem, como exemplo de sistema aberto, consegue manter a vida com rigorosa ordem interna e baixa entropia. 
Enquanto as correntes ideológicas se digladiam na busca das suas certezas acabadas utilizando a saúde e a doença como armas para conquistar o poder, a coisa em si passa gradual e inexoravelmente à coisa para nós.