João Bosco Botelho
Foi sem dúvida o matemático francês Henri Poincaré (1854-1912)
quem demonstrou a instabilidade mesmo em sistemas simples. Este pensador acabou
ficando conhecido também pela sua colocação acerca da comodidade da ciência,
onde as teorias científicas traduziriam unicamente a arbitrariedade da razão
com o objetivo de tornar inteligível um conjunto de fatos observados. A atual
compreensão de instabilidade regendo o conjunto que mantém a vida no planeta é
absolutamente fantástica e preocupante ao mesmo tempo. É fantástica porque nos
fez mergulhar na incerteza angustiante, e é preocupante porque colocou por
terra as certezas acabadas. O estudo do caos está abrindo a matemática aos
sentidos do homem onde a sua capacidade de abstrair formas espaciais foi
incorporada à uma geometria muito diferente da euclidiana. Mesmo com a
indiscutível indeterminação de Heisemberg somos hoje capazes de imaginar como é
a projeção espacial de uma molécula de ADN e o feedback (retroalimentação) dos
hormônios hipotalâmico hipofisário no controle das glândulas endócrinas (tireoide,
ovário, testículo, suprarrenal), para o equilíbrio de muitas funções vitais do
homem.
O avanço foi concomitante em várias direções. Um novo
entendimento de espaço surgiu e envolveu o caos trazendo subsídios ainda
maiores e mais concretos para romper o equilíbrio tridimensional.
Parece ser adequado continuar discutindo que a doença,
enquanto abstração nominada pelo homem, será compreendida como fenômeno
dinâmico e mutante no tempo capaz de ser estudada fora do espaço euclidiano.
Haverá tempo em que a biologia perguntará: em qual espaço você deseja estudar o
hipertireoidismo? É claro que este espaço não se refere ao tamanho da sala, mas
a descrição da estrutura geral do objeto a ser investigado.
O simples raciocínio da hierarquização orgânica (só estamos
tratando dos seres vivos) pode reforçar essa suposição. Do organismo vivo até
as partículas subatômicas conhecidas, o caos pode passar sucessivamente pelos
sistemas orgânicos (respiratório, digestivo, urinário etc.), órgãos, tecidos,
células, organelas (ribossomos, mitocôndrios etc.), moléculas, átomos e
partículas subatômicas. O mais fascinante é o fato não se esgotar aqui. Existem
sistemas matemáticos que apesar de serem determinados não são, como seria de
esperar, previsíveis. Não existe nenhum fator desconhecido que possa justificar
a falha da previsibilidade. Esta ocorre pela incapacidade do homem para
representar a infinitude.
Sendo partes do mesmo todo, é possível que a teoria do caos
contribuirá também para a melhor compreensão dos sistemas vivos sob o prisma da
termodinâmica. Hoje continua sendo muito difícil entender como o homem, como
exemplo de sistema aberto, consegue manter a vida com rigorosa ordem interna e
baixa entropia.
Enquanto as correntes ideológicas se digladiam na busca das
suas certezas acabadas utilizando a saúde e a doença como armas para conquistar
o poder, a coisa em si passa gradual e inexoravelmente à coisa para nós.