Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

A arte rupestre formando consciência 1/2



 João Bosco Botelho


Os nossos ancestrais distantes, desde o final do paleolítico, em torno de 20.000 anos, ao aperfeiçoarem a organização social, mantiveram a busca da explicação do significado da vida e da morte. Parece que a crença no renascimento esteve contida nessa construção porque a presença dos utensílios enterrados junto com o morto, em diferentes sociedades, traduz a esperança comum de que ele continuará a atividade na nova vida após a morte. Esses corpos, em sua maioria, foram sepultados voltados para o leste, definindo a clara intencionalidade com o curso do nascimento do sol.
Por outro lado, Leroi Gourhan, o historiador da pré-história, afirma que a partir desse período foram encontrados, em cavernas, crânios de vários animais, colocados em lugares de destaque, sugerindo tratar-se de altares primitivos. A partir do estudo comparativo entre esses achados e o mundo mágico de alguns grupos sobreviventes de caçadores coletores, foi possível compreender melhor o significado sociológico do senhor do animal, um dos mais antigos mitos conhecidos.
Sob diferentes formas, o ser mítico teria força para controlar quem representasse ameaça. A fé no poder sobrenatural do animal, capaz de dominar bestas hostis, está intrinsecamente atada à necessidade de acreditar que estas mesmas feras possuem qualidades maiores que as dos humanos. Com a possibilidade de transferi-las ao homem, daria a oportunidade do enfrentamento em condições mais favoráveis.
O historiador da medicina Lyons, publicou a intrigante escultura no osso de uma mulher grávida, no final da gestação e com edema vulvar, sob uma rena que acabara de parir, indicada pelas mamas túrgidas. É possível teorizar que a representação do acontecimento pode estar relacionada à busca da passagem da força do animal à mulher prenha, para ajudar o nascimento da criança, durante um parto que se mostrava difícil.
Igual raciocínio pode amparar a interpretação do simbolismo das pinturas neolíticas do bruxo dançarino de Afvalingskop, na Ásia Central, e a do médico feiticeiro, da gruta de Trois Frères, nos Pirineus franceses, ambos travestidos de animal em movimento de dança, fazendo supor a participação em algum tipo de ritual. Existe uma incrível semelhança entre esses trajes com o usado pelo pajé, envolto com a pele do bisão, para encarnar o senhor do animal, nas celebrações da abundância entre os indígenas do norte dos Estados Unidos. A festa, orientada nas sequências rituais, comemora desde a localização até o abate do bicho, para obtenção do alimento e do agasalho daqueles povos que mantêm a tradição de caçadores.
Os três personagens, dois pintados em lugares diferentes há mais de 10.000 anos e um que ainda pode ser visto, ficam quase completamente encobertos pela pele dos animais que respondem pela sobrevivência do grupo.
Esse aspecto das primitivas expressões de religiosidade é de fundamental importância porque continua sendo através da linguagem simbólica que o ser mortal se aproxima do imortal, fazendo com que o primeiro alcance o divino, enquanto a divindade se humaniza nos momentos em que se estabelece a comunicação entre eles.