Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A medicina entre confrarias, corporações e irmandades 1/2



João Bosco Botelho


As corporações, confrarias e irmandades, em especial a Confraria dos Cirurgiões, fundada por Jean Pitart, parecem ter sido parte da resistência dos trabalhadores que continuavam à margem das melhores fatias da organização social na alta Idade Média.
O aperfeiçoamento desse processo de resistência contribuiu para o surgimento dos grupos de proteção mútua, nos moldes da “compagnia” fundada em Gênova em 1099 e financiada pelos marítimos.
Desde a baixa Idade Média, existiam organizações dedicadas à guarda do interesse coletivo de grupos de trabalhadores especializados. A encontrada em Valenciennes floresceu entre 1050-1070, tinha uma característica predominantemente laica, enquanto que a de Saint-Omer, ativa entre 1072-1080, era de natureza eclesiástica. Algumas delas já apresentavam rígida estrutura administrativa, com um órgão de decisão (capitulum), um líder (decani) e uma sede (guildhus).
As corporações-confrarias-irmandades ofereciam novo tipo de proteção aos membros, sob a presença dos santos mais importantes ou ligados à tradição religiosa da região. A próspera corporação de lanifício de Florença, com cerca de vinte mil operários e duzentas oficinas, pode representar muito bem esse interesse eclesiástico: a sede dessa rica corporação, o Palácio da Lã, se ligava por meio de uma ponte com a Igreja Orsanmichele.
As corporações-confrarias-irmandades surgiram fortalecidas em regras protecionistas de solidariedade econômica e social, em articulação com a hierarquia das autoridades religiosas e laicas. A Igreja se manteve próxima dessa nova articulação social compreendeu a importância histórica e estimulou novas alianças a partir de estreitas ligações com os líderes, especialmente, na Confraria dos Cirurgiões, já que os cirurgiões-barbeiros se mantinham fora da ordem eclesiástica.
É importante relembrar que o aparecimento desse personagem, o cirurgião-barbeiro, foi consequência da resposta social à interdição intolerante da Igreja à dissecção do corpo morto para fim de estudo da anatomia e ao fechamento das escolas de Medicina, determinando que os cirurgiões ficassem cada vez mais escassos até o completo desaparecimento, na primeira metade do século 9.