João
Bosco Botelho
A localização da arte rupestre em locais de difícil acesso é
demonstrativa de que se tratava de sítios incomuns para o uso habitual. Em um
deles, a caverna Le Tue d’Audoubert, na França, foram encontrados dois bisões
esculpidos em argila, cada um deles com quase um metro de comprimento, numa
espécie de altar, cercado por incontáveis impressões de pés de adultos e de crianças.
Mesmo hoje, com todas as facilidades para o deslocamento no interior desses
esconderijos naturais, com balsas infláveis para percorrer as nascentes dos
rios subterrâneos e da luz elétrica, o caminho para se chegar a esse santuário
não é fácil de ser alcançado.
Certos homens se especializaram e se adiantaram na
interpretação do espaço simbólico por meio do conhecimento historicamente acumulado.
Podem ter sido esses especialistas do sagrado os autores dos intrigantes
desenhos parietais do mamute da gruta El Pindal, na Espanha, mostrando o
coração na sua forma correta e da mulher grávida com a criança na barriga,
encaixada na pelve, em posição cefálica, pronta para o início do trabalho de
parto.
As representações só poderiam ter sido feitas por alguém que
já tivesse observado uma barriga aberta com o útero ocupado pelo feto, para
algum fim que jamais saberemos. A possibilidade da existência, na pré-história,
de algumas pessoas que poderiam ver o que se escondia atrás da pele, constituiu
um marco importante na relação de poder que foi erguido entre os curadores e os
não especialistas.
É possível correlacionar esses saberes com personagens da
atualidade. O curador popular, graças à visão sobrenatural, seria capaz de ver
através da pele, enquanto a visão clínica do médico moderno poderia chegar ao diagnóstico
com o simples olhar. Essa visão continua sendo valorizada como símbolo de
competência profissional.