Amigos do Fingidor

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A poesia é necessária?

 Presença africana

Alda Lara (1930-1962)

 

E apesar de tudo,

ainda sou a mesma!

Livre e esguia,

filha eterna de quanta rebeldia

me sagrou.

Mãe-África!

 

Mãe forte da floresta e do deserto,

ainda sou,

a Irmã-Mulher

de tudo o que em ti vibra

puro e incerto...

 

A dos coqueiros,

de cabeleiras verdes

e corpos arrojados

sobre o azul...

A do dendém

nascendo dos abraços das palmeiras...

 

A do sol bom, mordendo

o chão das Ingombotas...

A das acácias rubras,

salpicando de sangue as avenidas,

longas e floridas...

 

Sim!, ainda sou a mesma.

A do amor transbordando

pelos carregadores do cais

suados e confusos,

pelos bairros imundos e dormentes

(Rua 11!... Rua 11!...)

pelos meninos

de barriga inchada e olhos fundos...

 

Sem dores nem alegrias,

de tronco nu e musculoso,

a raça escreve a prumo,

a força destes dias...

 

E eu revendo ainda, e sempre, nela,

aquela

longa história inconsequente...

 

Minha terra...

Minha, eternamente...

 

Terra das acácias, dos dongos,

dos cólios baloiçando, mansamente...

Terra!

Ainda sou a mesma.

 

Ainda sou a que num canto novo

pura e livre,

me levanto,

ao aceno do teu povo!

(Benguela, 1952)