Pedro Lucas Lindoso
Estava
meio macambúzio. Na verdade bastante triste. Perdemos nosso presidente da
Associação dos Escritores, o querido Ernani Garcia dos Santos. Economista e
grande craque da Língua Portuguesa.
Explico
à Tia Idalina que Ernani Garcia foi autor do festejado livro Português sem
mistério. Idalina concorda que podemos desvendar os mistérios da língua e
falar e escrever com clareza e competência. Só que para os homens é um pouco
mais fácil. Como assim? Perguntei.
Idalina
lembrou-se de que quando menina, disse obrigado para sua professora. No que ela
de pronto, ensinou-lhe:
–
Meninas dizem obrigada, agradecida, grata.
Idalina questionou-a de que ouvia a maioria
dizer obrigado. Tanto os meninos quanto as meninas. A professora disse-lhe que
muitas meninas ficam moças, velhas e morrem agradecendo de forma errada. Não
seriam suas alunas. Foi então que Idalina escorregou novamente na concordância:
– Estou
meia confusa. E a professora de imediato corrigiu. Meio confusa. Enquanto
advérbio, a palavra meio é invariável: meio cansado; meio cansada; meio
assustado; meio assustada. Enquanto numeral fracionário e adjetivo, a palavra
meio aceita flexão em gênero e número: meio copo; meia garrafa; meio limão;
meia manga.
Idalina
disse jamais ter esquecido a lição. E continua:
– Outro
dia, quando me sentia meio cansada e meio velha, Tina procurava uma meia velha
para fazer de touca. Entendi logo que não estava à minha procura!
Titia concluiu
muito cedo que a vida para os homens é bem mais fácil. Até mesmo a língua,
normatizada por gramáticos homens, é machista. E continuou:
– Passou-se
o governo inteiro de Dilma Roussef com o país dividido gramaticalmente entre
concordar com o uso da palavra presidenta ou não. O professor Pasquale Cipro Neto ensina que “a
terminação ‘¬nte’, que vem do particípio presente latino, forma em português
adjetivos e substantivos”. Ressalta que 99% desses termos não têm variação. “O
que varia é o artigo ou outro determinante como o/a estudante, nosso/nossa
comandante. Mas é claro que há exceções”, completou. Uma delas é justamente
“presidenta”, registrada há mais de um século. Segundo o professor, na sua
edição de 1913, o dicionário de Cândido de Figueiredo registra “presidenta”. A
última edição de cada um dos nossos mais importantes dicionários e a do
“Vocabulário Ortográfico” também registram. Como existem as duas formas
trata-se de uma questão de escolha. A ministra Carmem Lúcia preferiu ser
chamada de presidente do STF. Uma escolha pessoal.
Mas o
Brasil patriarcal, conservador e machista não acatou o desejo da presidenta
Dilma. O fato é que o Português é mais difícil e misterioso para as mulheres do
que para os homens.