Amigos do Fingidor

terça-feira, 26 de abril de 2011

Gabriel saiu para almoçar 14/15

Marco Adolfs


...Existem três tipos de angústia, escreveu então Sombra para não perder o fio da meada: uma angústia ligada ao medo de morrer, uma angústia de sentir-se insignificante (como ele não gostava de sentir-se) e uma angústia culposa. Mas tudo isso poderia ser diluído, raciocinou e escreveu o poeta, se esse ser que sente alguma dessas situações, soubesse se aliar ao tempo e produzisse alguma coisa que o levasse a uma espécie de eternidade. O que se busca, no fundo no fundo, é a realização pessoal; a notoriedade; o existir como alguém amado. Gabriel então percebeu que a solidão, nessas circunstâncias, aparecia como uma ajuda à procura pelo preenchimento. Por isso, ele, Gabriel Sombra, o poeta, tinha que sair sempre. Na busca de preencher o vazio. E que, quando o vazio se apresentava mais presente e sensível, como aos domingos, a situação de preencher-se se tornava ainda mais premente. Um domingo a mais a administrar. “Mas não a continuar a escrever esse bendito ensaio”. Precisava descansar disso. Mas o que significava a palavra administrar, no caso de preencher-se um vazio existencial? Pensou Sombra enquanto se enxugava após o banho de todas as manhãs. Se fosse apenas gerenciar situações difíceis dos excessos ou faltas humanas, haveria então cortes e complementos no uso do tempo, mas não a solução final do problema da solidão. Pois solidão é preenchida com companhia, segundo entendimentos de todos que sofriam desse mal. Reconhecimento, por outro, de estarmos ali para sermos amados por ele. Preenchimento de carências afetivas, e não administração pura e simples do espaço e tempo, foi o que pensou com maior profundidade o poeta. Seus olhos enchendo-se de lágrimas. Mas, duro na queda, Sombra não se deixou demorar mais do que alguns segundos nesse sentimento de abandono. Precisava ocupar sua cabeça com este ensaio definitivo. Ser proativo perante a própria existência era uma forma de fugir das lágrimas. Uma técnica para fazer-se merecer e merecer-se neste mundo, pensava o poeta, enquanto a caneta corria como uma lebre pelo velho caderno de espiral. Seu legado, “ou seria testemunho?”, sobre a solidão, sendo escrito em velocidade de cruzeiro...