Amigos do Fingidor

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Mar morto, de Jorge Amado, uma análise 3/14

Zemaria Pinto

Análise da Obra

1) Estrutura formal

a) Ambiente


Fisicamente, Mar morto é todo ambientado no cais da cidade da Bahia. Mas que cidade é essa?, o leitor mais atento deve estar se perguntando. Vamos dar algumas pistas. Fundada em 1549 por Tomé de Sousa, foi sede do governo-geral do Brasil por mais de duzentos anos, perdendo essa condição em 1763, para o Rio de Janeiro. Geograficamente, localiza-se na entrada da baía de Todos os Santos. A cana-de-açúcar, o fumo e o cacau foram por muito tempo os principais sustentáculos de sua economia, tornando o seu porto um dos mais movimentados do país.

A arquitetura da cidade merece um parágrafo à parte. Da perspectiva da baía, vemos a Cidade Alta e a Cidade Baixa, separadas por uma escarpa de cerca de 60 metros de altura, que domina toda a frente da cidade. A mais famosa ligação entre uma e outra “cidade”, um autêntico símbolo urbano, é o Elevador Lacerda, construído em 1930. Mas para quem não tem pressa, o melhor mesmo é subir e descer as ladeiras da velha Bahia. O conjunto arquitetônico do Pelourinho, tombado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade, é apenas uma das grandes surpresas que a cidade, repleta de museus, fortes, palácios e casarões coloniais, reserva a quem a visita.

Seus moradores a chamam de Bahia, cidade de São Salvador. Tomé de Sousa chamou-a inicialmente de São Salvador. Nós aprendemos nas aulas de geografia e história que a capital do estado da Bahia é Salvador. Qual a razão do imbróglio? A fala popular tem razões que a própria razão desconhece...

Mas além do porto da cidade da Bahia, centro da trama, temos passagens em Cachoeira, Santo Amaro e Maragogipe, portos próximos, além de citações de outros portos, como a conhecida ilha de Itaparica, situada em frente à capital.

Do ponto de vista cronológico, a ambientação se concentra praticamente ao mesmo tempo da feitura do livro: década de 30. Isto não fica explícito senão por algumas informações que são dadas ao leitor, como a referência às atividades do cangaceiro Lampião, que só viria a morrer em 1938. As greves, por exemplo, eram uma prática recém introduzida na vida brasileira. A questão trabalhista, na verdade, só viria a ter algum tratamento legal sistemático a partir da década de 40.

Mas é de se observar, entretanto, que Guma conhece Rosa Palmeirão aos vinte anos, informação dada pelo próprio no capítulo “Acalanto de Rosa Palmeirão”. Não somos informados sobre o tempo que eles passam juntos, mas o primeiro contato com Lívia acontece ainda nessa época. Na sequência, Guma e Lívia casam-se e cinco meses depois, essa informação está no capítulo “Roteiro do Mar Grande”, ela já está grávida de Frederico. No capítulo “A Noite É Para o Amor”, o narrador afirma que fazia vinte anos que a mãe de Guma estivera em busca do filho. Como esse encontro deu-se quando Guma tinha 11 anos, concluímos que ele morre aos 31 anos, que seria o tempo exato da ação. Enfim, no seu estilo “contador de histórias”, o narrador não se preocupa em datar com muita precisão o que conta.


b) Tempo


A narrativa flui de maneira linear a partir do capítulo “Terras do Sem Fim”. Entretanto, os capítulos que o antecedem, “Tempestade” e “Cancioneiro do Cais”, ligam-se diretamente com o capítulo “Rota do Mar Grande”, na segunda parte do livro. Por isso, podemos dizer, um tanto professoralmente, que apesar de linear, a narrativa começa “in media res”, ou seja, no meio dos acontecimentos. E que acontecimentos são esses? Se fosse rigorosamente linear, os dois capítulos iniciais integrariam a segunda parte da narrativa, “O paquete voador”, que conta o declínio de Guma, e não a primeira parte, “Iemanjá, dona dos mares e dos saveiros”, que conta sua ascensão.

Há que se observar ainda o “flashback” (também chamado de analepse), que significa voltar para trás na narrativa, representado pelo capítulo “Toufick, o Árabe”. Além de contar a trajetória do estrangeiro até a Bahia, o narrador tem o cuidado de enfatizar que ele chegara na cidade na mesma noite em que mestre Raimundo e seu filho Jacques morrem num temporal: exatamente o momento daqueles dois capítulos iniciais a que nos referimos.

Isto é simbólico porque se as mortes de Jacques e Raimundo representam o primeiro contato de Lívia com o inevitável destino dos marinheiros, a chegada de Toufick é o início do fim de Guma, porque, não nos esqueçamos, Guma foi atraído, ainda que inadvertidamente, para a morte naquela noite fatal por Toufick.

Ilustrações: edição portuguesa de 1965; edição polonesa de 1953.