Zemaria Pinto
[Augusto dos Anjos] desidealizou o conceito de gosto
para dessacralizar a linguagem e, com isto, verbalizar despreconceituosamente a
experiência humana.
(Eduardo Portela)
O animal conhece a morte tão-somente na morte; já o
homem se aproxima dela a cada hora com inteira consciência e isso torna a vida
às vezes questionável, mesmo para quem ainda não conheceu no todo mesmo da vida
o seu caráter de contínua aniquilação. Principalmente devido à morte é que o
homem possui filosofias e religiões.
(Schopenhauer)
Augusto
dos Anjos, poeta expressionista?
O primeiro a apontar a
aproximação de Augusto dos Anjos ao Expressionismo foi Gilberto Freyre, em
artigo de 1924, eivado de equívocos históricos e de avaliação, porém, com uma
observação pioneira: “Havia em Augusto dos Anjos alguma coisa de um moderno
pintor alemão expressionista. Um gosto mais de decomposição do que de
composição” (1994, p. 78). Quarenta e cinco anos depois[i], é
Anatol Rosenfeld quem volta ao assunto, lançando as primeiras luzes para a
compreensão do autor pelo viés expressionista, ao aproximá-lo dos poetas
alemães Gottfried Benn, Georg Heym e Georg Trakl, contemporâneos de Augusto dos
Anjos:
Há naturalmente diferenças
profundas, de forma e substância, entre cada qual desses poetas de uma só
geração e, em especial, entre os três alemães e o brasileiro. Mas há, sem que
se queira fazer de Augusto dos Anjos um expressionista (movimento do qual
dificilmente pode ter tido notícia), coincidências notáveis. (2006, p. 264)
Ora, não “ter tido
notícia” do movimento expressionista não tira de Augusto dos Anjos o mérito de,
a seu modo, ser parte integrante dele, desenvolvendo processos expressionistas
inéditos, em paralelo com o que faziam os poetas europeus. De qualquer forma, o
que nos interessa é a utilização de elementos teóricos do Expressionismo,
comuns em Augusto dos Anjos e na primeira geração expressionista alemã, que
começa a aparecer em 1910, quatro anos após o início da produção expressionista
do autor paraibano.
Objetivos
O que pretendemos
demonstrar: primeiro, fugindo do lirismo confessional, e baseado em um conceito
pinçado em Schopenhauer, a dor estética, o autor forjou uma personagem, a sua
máscara lírica; segundo, a finalidade desta era denunciar a degradação pela
qual passava a humanidade, por meio de poemas que subvertiam as noções então
aceitas de beleza; por último, como consequência desse processo, Augusto dos
Anjos aproximou-se de tal forma dos expressionistas alemães – antes deles –,
que é absolutamente aceitável classificá-lo como um poeta expressionista. Em
outras palavras, justificando o título do nosso trabalho, Augusto dos Anjos
inventou uma variante expressionista, calcada especialmente na deformação da
realidade, buscando uma representação não aristotélica, inserida em uma forma
fragmentada e contrastante – dentro do padrão geral, de “uma poesia marcada
menos por um estilo comum do que por atitudes comuns” (SHEPPARD, 1999, p. 313).
E aqui não se trata apenas de uma “sensibilidade expressionista”, termo que
poderia ser usado em relação a Euclides da Cunha, por exemplo, mas de um corpus e uma Ideia expressionistas. Sem
temer o grotesco ou o kitsch,
extraindo beleza do “mau gosto” e da matéria em decomposição, Augusto dos Anjos
registrou, de modo singular, a vida brasileira no limiar do século XX.
[i] 1969 é o ano de publicação do
texto em livro. Na 30ª edição do Eu,
de 1965, Francisco de Assis Barbosa cita Rosenfeld, com detalhes (p. 315).
Aliás, o próprio Rosenfeld afirma, no prefácio de seu livro, que aqueles
estudos haviam sido publicados, “na sua grande maioria, em periódicos
brasileiros, no decurso dos últimos quinze anos” (2006, p. 11).
OBS1: Comunicação apresentada ao I CONALI - Congresso Nacional de Literatura, realizado em João Pessoa, de 03 a 06 de junho de 2012, comemorando o centenário de publicação do Eu. Publicada nos anais do I CONALI.
OBS2: Trata-se de uma versão resumida da dissertação de mestrado em Estudos Literários do autor, apresentada a 11 de abril de 2012, na UFAM.