Amigos do Fingidor

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 1/12


Zemaria Pinto


[Augusto dos Anjos] desidealizou o conceito de gosto para dessacralizar a linguagem e, com isto, verbalizar despreconceituosamente a experiência humana.

(Eduardo Portela) 

O animal conhece a morte tão-somente na morte; já o homem se aproxima dela a cada hora com inteira consciência e isso torna a vida às vezes questionável, mesmo para quem ainda não conheceu no todo mesmo da vida o seu caráter de contínua aniquilação. Principalmente devido à morte é que o homem possui filosofias e religiões.

(Schopenhauer)

Augusto dos Anjos, poeta expressionista?


O primeiro a apontar a aproximação de Augusto dos Anjos ao Expressionismo foi Gilberto Freyre, em artigo de 1924, eivado de equívocos históricos e de avaliação, porém, com uma observação pioneira: “Havia em Augusto dos Anjos alguma coisa de um moderno pintor alemão expressionista. Um gosto mais de decomposição do que de composição” (1994, p. 78). Quarenta e cinco anos depois[i], é Anatol Rosenfeld quem volta ao assunto, lançando as primeiras luzes para a compreensão do autor pelo viés expressionista, ao aproximá-lo dos poetas alemães Gottfried Benn, Georg Heym e Georg Trakl, contemporâneos de Augusto dos Anjos:
Há naturalmente diferenças profundas, de forma e substância, entre cada qual desses poetas de uma só geração e, em especial, entre os três alemães e o brasileiro. Mas há, sem que se queira fazer de Augusto dos Anjos um expressionista (movimento do qual dificilmente pode ter tido notícia), coincidências notáveis. (2006, p. 264)
Ora, não “ter tido notícia” do movimento expressionista não tira de Augusto dos Anjos o mérito de, a seu modo, ser parte integrante dele, desenvolvendo processos expressionistas inéditos, em paralelo com o que faziam os poetas europeus. De qualquer forma, o que nos interessa é a utilização de elementos teóricos do Expressionismo, comuns em Augusto dos Anjos e na primeira geração expressionista alemã, que começa a aparecer em 1910, quatro anos após o início da produção expressionista do autor paraibano.

Objetivos

O que pretendemos demonstrar: primeiro, fugindo do lirismo confessional, e baseado em um conceito pinçado em Schopenhauer, a dor estética, o autor forjou uma personagem, a sua máscara lírica; segundo, a finalidade desta era denunciar a degradação pela qual passava a humanidade, por meio de poemas que subvertiam as noções então aceitas de beleza; por último, como consequência desse processo, Augusto dos Anjos aproximou-se de tal forma dos expressionistas alemães – antes deles –, que é absolutamente aceitável classificá-lo como um poeta expressionista. Em outras palavras, justificando o título do nosso trabalho, Augusto dos Anjos inventou uma variante expressionista, calcada especialmente na deformação da realidade, buscando uma representação não aristotélica, inserida em uma forma fragmentada e contrastante – dentro do padrão geral, de “uma poesia marcada menos por um estilo comum do que por atitudes comuns” (SHEPPARD, 1999, p. 313). E aqui não se trata apenas de uma “sensibilidade expressionista”, termo que poderia ser usado em relação a Euclides da Cunha, por exemplo, mas de um corpus e uma Ideia expressionistas. Sem temer o grotesco ou o kitsch, extraindo beleza do “mau gosto” e da matéria em decomposição, Augusto dos Anjos registrou, de modo singular, a vida brasileira no limiar do século XX.
 (Continua na próxima quinta-feira)



[i] 1969 é o ano de publicação do texto em livro. Na 30ª edição do Eu, de 1965, Francisco de Assis Barbosa cita Rosenfeld, com detalhes (p. 315). Aliás, o próprio Rosenfeld afirma, no prefácio de seu livro, que aqueles estudos haviam sido publicados, “na sua grande maioria, em periódicos brasileiros, no decurso dos últimos quinze anos” (2006, p. 11).
OBS1: Comunicação apresentada ao I CONALI - Congresso Nacional de Literatura, realizado em João Pessoa, de 03 a 06 de junho de 2012, comemorando o centenário de publicação do Eu. Publicada nos anais do I CONALI.
OBS2: Trata-se de uma versão resumida da dissertação de mestrado em Estudos Literários do autor, apresentada a 11 de abril de 2012, na UFAM.