Amigos do Fingidor

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 2/12

Zemaria Pinto
Fases e recepção


A poesia de Augusto dos Anjos tem duas fases distintas: a primeira, composta por poemas de extração simbolista e parnasiana, com resquícios de romantismo; e a segunda, onde estão os poemas expressionistas do Eu. Mas essa distinção ainda é insuficiente, porque ambas as fases podem ser subdivididas. Assim, estabelecemos quatro fases na poesia de Augusto dos Anjos, conforme a cronologia de produção dos poemas estabelecida por Zenir Campos Reis (1977, p. 30-37)[i]:

1ª fase: de 1900 a 1903;

2ª fase: de 1903 a 1906;

3ª fase: de 1906 a 1912;

4ª fase: de 1912 a 1914.

Dos 58 poemas da edição original do Eu, 13 pertencem à segunda fase, representando o aprendizado e o amadurecimento do poeta – entre os 19 e os 22 anos. São poemas que podem ser distribuídos entre as estéticas então em voga: simbolistas, parnasianos e mesmo românticos. Os outros 45 poemas pertencem à terceira fase, o âmago do Eu. Os poemas da quarta fase foram chamados, a partir da 3ª edição, de “Outras poesias”. Os demais compõem os “Poemas esquecidos”.  

A produção da terceira fase – os outros 45 poemas do Eu – é constituída de trabalhos cuja maioria é marcada por uma expressão até então desconhecida na literatura brasileira[ii]. Entendamos “expressão” como uma combinação não apenas de fala e linguagem, mas, sobretudo, de imagens e ideias, harmonizando forma e conteúdo de maneira inusitada. A partir de determinado ponto numa hipotética linha do tempo – localizado em junho de 1906, com a publicação de “Queixas noturnas”[iii] –, Augusto dos Anjos dá uma guinada na sua expressão poética. É como se o eu lírico desse lugar a um outro – sua máscara lírica. Sua poesia adquire um tom mais agressivo, abordando temas como o “novo homem” e “uma nova humanidade”. Essa nova expressão, inominada, dá o tom da maioria daqueles 45 poemas.

Desqualificar essa dificuldade de enquadramento foi a estratégia utilizada por boa parte da crítica, considerando irrelevante, mero didatismo ou mesmo uma grande bobagem qualquer classificação[iv]. Outra parte, baseada em alguns daqueles 13 poemas e em poemas que o autor certamente rejeitaria[v], classifica-o como simbolista. Augusto dos Anjos foi ainda chamado de parnasiano e até de art-noveau.

Para explicar aquela poesia tão original, o “infortúnio crítico” de Augusto dos Anjos, no dizer de Eduardo Portela (1994, p. 65), aponta-lhe patologias diversas – físicas, morais, sociais –, inferidas a partir da combinação entre leitura equivocada e desinformação biográfica: esquizofrenia, tuberculose, ateísmo, materialismo, individualismo, extravagância, ceticismo, pessimismo, satanismo, egocentrismo, pobreza pecuniária.

Uma parcela quase insignificante – do ponto de vista quantitativo – viu na expressão poética de Augusto dos Anjos marcas, vestígios, indícios da estética expressionista: Gilberto Freyre, Anatol Rosenfeld, Massaud Moisés, Lêdo Ivo, Luiz Costa Lima, Ivan Junqueira, Sérgio Martagão Gesteira. E aqui entramos nós.



[i] A propósito, todas as datas de publicação citadas, salvo eventual indicação em contrário, foram obtidas em Augusto dos Anjos: poesia e prosa (REIS, 1977). 
[ii] Enfatizamos maioria porque alguns poemas, poucos, ainda podem ser classificados como parnasianos e simbolistas.
[iii] O poema “Queixas noturnas”, inaugural do novo modo de escrever, foi publicado pela primeira vez no dia 03 de junho de 1906, no periódico O Comércio, da Paraíba.
[iv] Órris Soares chega às raias da violência: “A que escola se filiou? – A nenhuma. [...] Isso de escolas é esquadrias para medíocres.” (1928, p. XIII).
[v] Os “Poemas esquecidos”, de interesse mais histórico que literário.