Zemaria Pinto
Fases e recepção
A poesia de Augusto dos Anjos tem duas
fases distintas: a primeira, composta por poemas de extração simbolista e
parnasiana, com resquícios de romantismo; e a segunda, onde estão os poemas expressionistas
do Eu. Mas essa distinção ainda é insuficiente,
porque ambas as fases podem ser subdivididas. Assim, estabelecemos quatro fases
na poesia de Augusto dos Anjos, conforme a cronologia de produção dos poemas
estabelecida por Zenir Campos Reis (1977, p. 30-37)[i]:
1ª
fase: de 1900 a 1903;
2ª
fase: de 1903 a 1906;
3ª
fase: de 1906 a 1912;
4ª
fase: de 1912 a 1914.
Dos 58 poemas da edição original do Eu, 13 pertencem à segunda fase, representando
o aprendizado e o amadurecimento do poeta – entre os 19 e os 22 anos. São
poemas que podem ser distribuídos entre as estéticas então em voga:
simbolistas, parnasianos e mesmo românticos. Os outros 45 poemas pertencem à
terceira fase, o âmago do Eu. Os
poemas da quarta fase foram chamados, a partir da 3ª edição, de “Outras poesias”.
Os demais compõem os “Poemas esquecidos”.
A produção da terceira fase – os outros
45 poemas do Eu – é constituída de
trabalhos cuja maioria é marcada por
uma expressão até então desconhecida na literatura brasileira[ii].
Entendamos “expressão” como uma combinação não apenas de fala e linguagem, mas,
sobretudo, de imagens e ideias, harmonizando forma e conteúdo de maneira
inusitada. A partir de determinado ponto numa hipotética linha do tempo –
localizado em junho de 1906, com a publicação de “Queixas noturnas”[iii]
–, Augusto dos Anjos dá uma guinada na sua expressão poética. É como se o eu
lírico desse lugar a um outro – sua máscara lírica. Sua poesia adquire um tom
mais agressivo, abordando temas como o “novo homem” e “uma nova humanidade”.
Essa nova expressão, inominada, dá o tom da maioria daqueles 45 poemas.
Desqualificar essa dificuldade de
enquadramento foi a estratégia utilizada por boa parte da crítica, considerando
irrelevante, mero didatismo ou mesmo uma grande bobagem qualquer classificação[iv].
Outra parte, baseada em alguns daqueles 13 poemas e em poemas que o autor
certamente rejeitaria[v],
classifica-o como simbolista. Augusto dos Anjos foi ainda chamado de parnasiano
e até de art-noveau.
Para explicar aquela poesia tão
original, o “infortúnio crítico” de Augusto dos Anjos, no dizer de Eduardo
Portela (1994, p. 65), aponta-lhe patologias diversas – físicas, morais,
sociais –, inferidas a partir da combinação entre leitura equivocada e
desinformação biográfica: esquizofrenia, tuberculose, ateísmo, materialismo,
individualismo, extravagância, ceticismo, pessimismo, satanismo, egocentrismo,
pobreza pecuniária.
Uma parcela quase insignificante – do
ponto de vista quantitativo – viu na expressão poética de Augusto dos Anjos
marcas, vestígios, indícios da estética expressionista: Gilberto Freyre, Anatol
Rosenfeld, Massaud Moisés, Lêdo Ivo, Luiz Costa Lima, Ivan Junqueira, Sérgio
Martagão Gesteira. E aqui entramos nós.
[i] A propósito, todas as datas de
publicação citadas, salvo eventual indicação em contrário, foram obtidas em Augusto dos Anjos: poesia e prosa (REIS,
1977).
[ii] Enfatizamos maioria porque alguns poemas, poucos, ainda podem ser classificados
como parnasianos e simbolistas.
[iii] O poema “Queixas noturnas”,
inaugural do novo modo de escrever, foi publicado pela primeira vez no dia 03
de junho de 1906, no periódico O Comércio,
da Paraíba.
[iv] Órris Soares chega às raias da
violência: “A que escola se filiou? – A nenhuma. [...] Isso de escolas é
esquadrias para medíocres.” (1928, p. XIII).
[v] Os “Poemas esquecidos”, de
interesse mais histórico que literário.