Amigos do Fingidor

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 3/12

Zemaria Pinto

Máscara lírica e dor estética



O termo “máscara lírica” pretende romper com a relação autor-eu lírico: nos poemas expressionistas, o poeta-autor Augusto dos Anjos dá lugar a uma personagem (persona – máscara), para se expressar como tal, na sua inteireza e integralidade de máscara, sem nenhum vínculo físico com o poeta-autor, embora às vezes descreva-se fisicamente como o próprio e até use o seu prenome. A esse poeta-autor Hugo Friedrich chama de “eu empírico”, num contraponto ao eu lírico (1991, p. 37). A máscara lírica é, portanto, resultante do embate entre o eu empírico e o eu lírico, irrompendo como um desdobramento do segundo – é outro eu lírico, muito diferente do primeiro e, principalmente, do eu empírico. Este, entretanto, mantém o controle do processo criativo, pois a máscara lírica é um ato deliberado de criação do poeta-autor.

No caso de Augusto dos Anjos, podemos dizer que o eu empírico é o próprio poeta-autor, manifestando-se por si mesmo, em poemas como os dois primeiros sonetos ao pai ou o sentimental “Ricordanza della mia gioventú”. O eu lírico, por sua vez, é uma personagem do autor, que se manifesta com equilíbrio, porém com um sentimento de evasão, sempre melancólico; é o caso de poemas da segunda fase, como “Uma noite no Cairo”, “A ilha de Cipango” e o encantador “Vandalismo”. A máscara lírica, por fim, é uma segunda personagem, capaz de se expressar de uma forma totalmente diversa de ambos, característica dos poemas expressionistas de Augusto dos Anjos.

A “dor estética” é o conceito que orienta a máscara lírica, definido no poema de abertura do Eu, “Monólogo de uma sombra”. Essa dor estética tem desdobramentos e exigências: a desindividualização ou anulação do eu; a negação do sentimento amoroso; o repúdio a qualquer forma de prazer. A melhor definição para a “dor estética” seria fornecida por Fernando Pessoa no seu conhecido paradoxo sobre o “fingimento” do poeta: é a dor forjada com arte, a dor “fingida” – não necessariamente sentida. Esse fingimento é um véu sobre a máscara lírica. 

A dor estética tem um fundamento ideológico na filosofia de Schopenhauer e no budismo. Para melhor entendermos o conceito, podemos simplificar o pensamento de Schopenhauer da seguinte forma: a vida do homem oscila entre o sofrimento e o tédio; o prazer é apenas uma cessação provisória do sofrimento. Schopenhauer saída para o homem na contemplação estética, na prática ética da justiça e da caridade e na vida ascética, longe dos prazeres mundanos (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 394-398). A doutrina budista, neste ponto, não difere muito de Schopenhauer, podendo ser resumida da seguinte forma: a vida é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo; é preciso suprimir o desejo para acabar com o sofrimento. O ideal budista é o Nirvana, estágio de não-sofrimento atingido somente pelos iluminados (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 76-82).