Zemaria Pinto
Máscara lírica e dor estética
O termo “máscara lírica” pretende romper
com a relação autor-eu lírico: nos poemas expressionistas, o poeta-autor
Augusto dos Anjos dá lugar a uma personagem (persona – máscara), para se expressar como tal, na sua inteireza e
integralidade de máscara, sem nenhum vínculo físico com o poeta-autor, embora
às vezes descreva-se fisicamente como o próprio e até use o seu prenome. A esse
poeta-autor Hugo Friedrich chama de “eu empírico”, num contraponto ao eu lírico
(1991, p. 37). A máscara lírica é, portanto, resultante do embate entre o eu
empírico e o eu lírico, irrompendo como um desdobramento do segundo – é outro
eu lírico, muito diferente do primeiro e, principalmente, do eu empírico. Este,
entretanto, mantém o controle do processo criativo, pois a máscara lírica é um
ato deliberado de criação do poeta-autor.
No caso de Augusto dos Anjos, podemos
dizer que o eu empírico é o próprio poeta-autor, manifestando-se por si mesmo,
em poemas como os dois primeiros sonetos ao pai ou o sentimental “Ricordanza della mia gioventú”. O eu
lírico, por sua vez, é uma personagem do autor, que se manifesta com
equilíbrio, porém com um sentimento de evasão, sempre melancólico; é o caso de
poemas da segunda fase, como “Uma noite no Cairo”, “A ilha de Cipango” e o
encantador “Vandalismo”. A máscara lírica, por fim, é uma segunda personagem,
capaz de se expressar de uma forma totalmente diversa de ambos, característica
dos poemas expressionistas de Augusto dos Anjos.
A “dor estética” é o conceito que
orienta a máscara lírica, definido no poema de abertura do Eu, “Monólogo de uma sombra”. Essa dor estética tem desdobramentos
e exigências: a desindividualização ou anulação do eu; a negação do sentimento
amoroso; o repúdio a qualquer forma de prazer. A melhor definição para a “dor
estética” seria fornecida por Fernando Pessoa no seu conhecido paradoxo sobre o
“fingimento” do poeta: é a dor forjada com arte, a dor “fingida” – não
necessariamente sentida. Esse fingimento é um véu sobre a máscara lírica.
A dor estética tem um fundamento
ideológico na filosofia de Schopenhauer e no budismo. Para melhor entendermos
o conceito, podemos simplificar o pensamento
de Schopenhauer da seguinte forma : a vida do homem oscila entre
o sofrimento e o tédio ; o prazer
é apenas uma cessação
provisória do sofrimento. Schopenhauer só vê saída para o homem na contemplação
estética , na prática
ética da justiça
e da caridade e na vida
ascética , longe
dos prazeres mundanos (PADOVANI;
CASTAGNOLA, 1990, p. 394-398). A doutrina
budista, neste ponto, não difere muito de Schopenhauer, podendo ser resumida da seguinte
forma : a vida
é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo ; é preciso
suprimir o desejo para
acabar com o
sofrimento. O ideal budista
é o Nirvana , estágio
de não-sofrimento atingido somente pelos iluminados (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 76-82).