João
Sebastião
Em nome de quem...
Dentre
as minhas muitas obrigações cotidianas está a de ouvir discursos. Ouço dezenas
deles ordinariamente. Discursos vazios, desconexos, ridículos, improfícuos,
infames. “Bom dia a todos e a todas”: alguém tentou me explicar que isso faz
parte do discurso politicamente correto, que procura não discriminar os gêneros.
Mas a discriminação está na gênese do milenar discurso patriarcal. Seria preciso
mudar a genética, antes de mudar a gramática.
Agora,
se tem uma coisa que me irrita mais que encontrar cabelo em pamonha, me indigna
mais que o cinismo em público e me provoca vômito, como misturar mastruz com
leite, é ouvir de alguma figuraça, dirigindo-se a uma mesa onde outras
figurinhas palitam as unhas, entediadas, o bordão: – Dr. Sacripanta de Tal, em
nome de quem eu saúdo os demais membros da mesa. BLEARGH!!!
Já
ouvi governador falar isso mais de uma vez! Presidente de Academia de Letras, trocentas vezes!
Vereadores, deputados, senadores – a maioria, analfabetos funcionais –, esses
nem me espantam.
Mas
eu fico doente se ouço um colega professor, curtido e mal pago, talvez mal
alimentado, repetindo a bobageira. Estive num evento, recentemente, em uma
conceituada universidade federal... Não, não foi na UFAM, embora já tenha
ouvido a besteira, muitas vezes, lá também. Eu dizia que estava em um evento, com
uma mesa cheia de professores, o reitor, o representante da Capes e o capescete.
E seis discursos foram feitos, dos quais dois ignoraram solenemente a sonolenta
mesa, mas quatro (dois terços!), inclusive a coordenadora do evento (uma
espécie de pop star acadêmica) e o reitor repetiram a cantilena:
–
Magnífico reitor Professor Nulidade da Silva, essa pessoa linda e maravilhosa, em
nome de quem eu abraço carinhosamente os demais membros da mesa.
–
Professora Sirigaita Rotunda, em nome de quem eu cumprimento os demais membros
da mesa.
Saí
de lá enjoado, o estômago querendo devolver a lagosta moqueada, temperada com
cachaça de engenho e meia dúzia de Heinekens, do almoço. Caramba, estragar
lagosta por causa de uns ogros... Fui ao boteco da Maga, botar mais umas
Heinekens na carcaça e ouvir blues. Precisava esquecer aquela overdose de “em
nome de quem”. Não consegui. Tanto que estou aqui, leitor, dividindo contigo
minha angústia. Querido leitor do momento, na pessoa de quem eu saúdo todos os meus
três ou quatro eventuais futuros leitores...