Amigos do Fingidor

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Olhar de viés


João Sebastião

Em nome de quem...



Dentre as minhas muitas obrigações cotidianas está a de ouvir discursos. Ouço dezenas deles ordinariamente. Discursos vazios, desconexos, ridículos, improfícuos, infames. “Bom dia a todos e a todas”: alguém tentou me explicar que isso faz parte do discurso politicamente correto, que procura não discriminar os gêneros. Mas a discriminação está na gênese do milenar discurso patriarcal. Seria preciso mudar a genética, antes de mudar a gramática.

Agora, se tem uma coisa que me irrita mais que encontrar cabelo em pamonha, me indigna mais que o cinismo em público e me provoca vômito, como misturar mastruz com leite, é ouvir de alguma figuraça, dirigindo-se a uma mesa onde outras figurinhas palitam as unhas, entediadas, o bordão: – Dr. Sacripanta de Tal, em nome de quem eu saúdo os demais membros da mesa. BLEARGH!!!

Já ouvi governador falar isso mais de uma vez! Presidente de Academia de Letras, trocentas vezes! Vereadores, deputados, senadores – a maioria, analfabetos funcionais –, esses nem me espantam.

Mas eu fico doente se ouço um colega professor, curtido e mal pago, talvez mal alimentado, repetindo a bobageira. Estive num evento, recentemente, em uma conceituada universidade federal... Não, não foi na UFAM, embora já tenha ouvido a besteira, muitas vezes, lá também. Eu dizia que estava em um evento, com uma mesa cheia de professores, o reitor, o representante da Capes e o capescete. E seis discursos foram feitos, dos quais dois ignoraram solenemente a sonolenta mesa, mas quatro (dois terços!), inclusive a coordenadora do evento (uma espécie de pop star acadêmica) e o reitor repetiram a cantilena:

– Magnífico reitor Professor Nulidade da Silva, essa pessoa linda e maravilhosa, em nome de quem eu abraço carinhosamente os demais membros da mesa.

– Professora Sirigaita Rotunda, em nome de quem eu cumprimento os demais membros da mesa.

Saí de lá enjoado, o estômago querendo devolver a lagosta moqueada, temperada com cachaça de engenho e meia dúzia de Heinekens, do almoço. Caramba, estragar lagosta por causa de uns ogros... Fui ao boteco da Maga, botar mais umas Heinekens na carcaça e ouvir blues. Precisava esquecer aquela overdose de “em nome de quem”. Não consegui. Tanto que estou aqui, leitor, dividindo contigo minha angústia. Querido leitor do momento, na pessoa de quem eu saúdo todos os meus três ou quatro eventuais futuros leitores...