Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 6/12


Tema e motivos: recorrências



É no “Monólogo de uma sombra” (p. 195-200)[i] que Augusto dos Anjos determina os limites de sua poética, o seu projeto poético: mostrar a degradação da humanidade vista por uma estética da dor. Ensaiando uma metafísica insólita e sarcástica, o poema reflete o desagrado para com os rumos que tomara a ciência; critica a permissividade sexual, e mostra o “horroroso” como um componente da natureza humana. Mas também faz uma exaltação à Arte, como única via de reconstrução e revivificação da humanidade doente. O poema foi escrito, ao que tudo indica, em 1912, sendo um dos últimos – senão o último – do Eu a ser produzido, funcionando como prólogo ao Eu e uma “arte poética” em relação ao conjunto da poesia do autor.

“Monólogo de uma sombra” nos fornece um tema central, agregador entre tantos outros, para uma compreensão mais imediata do Eu, onde se espraiam motivos diversos. Tema e motivos entendidos como conceitos que se imbricam: os motivos consubstanciam o tema; e este é um estuário para onde os motivos convergem.  

O poema “Os doentes” (p. 236-249) é outro paradigma de Augusto dos Anjos. É nele que estão relacionados os motivos com os quais o poeta trabalha o tema predominante em sua obra, definido no poema de abertura. Doenças, morte, cadáveres, cemitérios, micróbios, vermes – são recorrências que ilustram essa degradação física, metáfora para a degradação moral. A máscara lírica descreve a paisagem noturna da “urbe natal do Desconsolo” (p. 236), mas não de uma maneira objetiva, como seria esperado de um parnasiano; a cidade também não é um emaranhado de símbolos, como pensada por um simbolista. Augusto dos Anjos descreve a cidade, em toda a sua complexidade, deformando-a para além do visível: não com a razão naturalista, mas com uma dramaticidade fragmentada, desconexa e tangenciando o grotesco – características do Expressionismo, marca da maior parte dos poemas inseridos no Eu.



[i] Todas as citações de Augusto dos Anjos têm uma mesma fonte (ANJOS, 1994), mencionada nas Referências. Deste ponto em diante, citaremos apenas as páginas onde as mesmas se encontram.