Tema e motivos: recorrências
É no “Monólogo de uma sombra” (p.
195-200)[i]
que Augusto dos Anjos determina os limites de sua poética, o seu projeto
poético: mostrar a degradação da humanidade vista por uma estética da dor.
Ensaiando uma metafísica insólita e sarcástica, o poema reflete o desagrado
para com os rumos que tomara a ciência; critica a permissividade sexual, e
mostra o “horroroso” como um componente da natureza humana. Mas também faz uma
exaltação à Arte, como única via de reconstrução e revivificação da humanidade
doente. O poema foi escrito, ao que tudo indica, em 1912, sendo um dos últimos
– senão o último – do Eu a ser
produzido, funcionando como prólogo ao Eu
e uma “arte poética” em relação ao conjunto da poesia do autor.
“Monólogo de uma sombra” nos fornece um
tema central, agregador entre tantos outros, para uma compreensão mais imediata
do Eu, onde se espraiam motivos diversos.
Tema e motivos entendidos como conceitos que se imbricam: os motivos
consubstanciam o tema; e este é um estuário para onde os motivos
convergem.
O poema “Os doentes” (p. 236-249) é outro
paradigma de Augusto dos Anjos. É nele que estão relacionados os motivos com os
quais o poeta trabalha o tema predominante em sua obra, definido no poema de
abertura. Doenças, morte, cadáveres, cemitérios, micróbios, vermes – são
recorrências que ilustram essa degradação física, metáfora para a degradação
moral. A máscara lírica descreve a paisagem noturna da “urbe natal do
Desconsolo” (p. 236), mas não de uma maneira objetiva, como seria esperado de
um parnasiano; a cidade também não é um emaranhado de símbolos, como pensada
por um simbolista. Augusto dos Anjos descreve a cidade, em toda a sua
complexidade, deformando-a para além do visível: não com a razão naturalista,
mas com uma dramaticidade fragmentada, desconexa e tangenciando o grotesco –
características do Expressionismo, marca da maior parte dos poemas inseridos no
Eu.
[i] Todas as citações de Augusto
dos Anjos têm uma mesma fonte (ANJOS, 1994), mencionada nas Referências. Deste
ponto em diante, citaremos apenas as páginas onde as mesmas se encontram.