Amigos do Fingidor

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 4/12

Zemaria Pinto

Zeitgeist, o espírito dionisíaco do tempo


Do ponto de vista estético, são notórias as influências de Baudelaire, Shakespeare, Poe e Rembrandt. Mas não podemos ignorar as influências filosófico-científicas, fundamentais para a leitura proveitosa da poesia de Augusto dos Anjos. Das novas ideias que vinham da Europa, dois autores são particularmente caros aos adeptos do que se convencionou chamar de Escola de Recife, praticantes de uma poesia “filosófico-científica”: Spencer, evolucionista, e Haeckel, monista[i]. A poesia de Augusto dos Anjos é toda pontilhada por citações dessas ideias, sendo recorrentes os nomes desses autores.

A filosofia de Schopenhauer, a metafísica budista, o contato com a poesia de Baudelaire e com os poetas da Escola de Recife, além dos filósofos caros àquela escola, formam uma base para a sedimentação da poesia de Augusto dos Anjos, mas não a explicam. O conceito de Zeitgeist pode ser uma tentativa.

Empregado inicialmente por Herder[ii] para significar algo como “princípios e opiniões dos homens mais perspicazes e sábios” (apud MOISÉS, 2004, p. 476-477) numa determinada época, foi usado por Hegel como uma entidade absoluta, para a qual tudo evoluía. Literalmente, Zeitgeist significa “espírito de época”, ou o “clima intelectual, moral e cultural de uma época”. Mas como a diversidade é um atributo humano, melhor seria falar em predominância de uma cosmovisão[iii] – no caso da literatura, o fundamento estético e histórico predominante em determinado momento (MOISÉS, 2004, p. 476-477).

Augusto dos Anjos, vivendo e questionando as transformações que ocorriam a sua volta, foi tomado pelo espírito do seu tempo, percebendo na pacata Paraíba, no soberbo Rio de Janeiro ou na bucólica Leopoldina o mesmo que os jovens poetas alemães observavam nas ruas cosmopolitas de Berlim, Munique ou Praga[iv]. Mas estamos tratando de um caso isolado, o que não se enquadraria na teoria. Ocorre que a recepção crítica do Eu há muito tempo já nem discute o seu caráter moderno: havia, sim, ao tempo em que Augusto dos Anjos produziu sua obra, outros autores ávidos de mudança, o que viria a desaguar no movimento de 1922. O destaque merecido ocorre com atraso, entretanto. Seu reconhecimento se dá aos poucos – e não sem equívocos, como aponta Eduardo Portela: 
As visões reducionistas que cerceiam, e cercearam, a leitura do Eu, exibem um estrabismo incurável. Em que pese o esforço desenvolvido por Antônio Houaiss, M. Cavalcanti Proença, Francisco de Assis Barbosa, Gilberto Freyre, Anatol Rosenfeld – para citar os mais diversificadamente penetrantes –, Augusto dos Anjos continua sendo um desafio crítico. (1994, p. 66)



[i] Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês; Ernest Haeckel (1834-1919), filósofo alemão.
[ii] Johann Gottfried von Herder (1744-1803), filósofo alemão.
[iii] Os alemães têm outro vocábulo para significar visão de mundo ou cosmovisão: Weltanschauung, usado por pelo menos dois estudiosos de Augusto dos Anjos: José Escobar Faria (1994, p. 143) e Elbio Spencer (1994, p. 185).
[iv] A hoje capital da República Checa à época estava sob o domínio da Áustria, cuja língua oficial é o alemão. Praga foi um dos mais importantes centros de expansão do Expressionismo.