Zemaria Pinto
Zeitgeist, o espírito dionisíaco do tempo
Do ponto de vista estético, são notórias
as influências de Baudelaire, Shakespeare, Poe e Rembrandt. Mas não podemos ignorar as influências
filosófico-científicas, fundamentais para a leitura proveitosa da poesia
de Augusto dos Anjos .
Das novas ideias que
vinham da Europa, dois autores são particularmente
caros aos adeptos
do que se convencionou chamar de Escola de Recife, praticantes de uma poesia
“filosófico-científica”: Spencer, evolucionista, e Haeckel, monista[i]. A
poesia de Augusto
dos Anjos é toda
pontilhada por citações
dessas ideias, sendo recorrentes os nomes desses autores.
A filosofia de Schopenhauer, a
metafísica budista, o contato com a poesia de Baudelaire e com os poetas da
Escola de Recife, além dos filósofos caros àquela escola, formam uma base para
a sedimentação da poesia de Augusto dos Anjos, mas não a explicam. O conceito
de Zeitgeist pode ser uma tentativa.
Empregado inicialmente por Herder[ii]
para significar algo como “princípios e opiniões dos homens mais perspicazes e
sábios” (apud MOISÉS, 2004, p. 476-477) numa determinada época, foi usado por
Hegel como uma entidade absoluta, para a qual tudo evoluía. Literalmente, Zeitgeist significa “espírito de época”,
ou o “clima intelectual, moral e cultural de uma época”. Mas como a diversidade
é um atributo humano, melhor seria falar em predominância de uma cosmovisão[iii]
– no caso da literatura, o fundamento estético e histórico predominante em
determinado momento (MOISÉS, 2004, p. 476-477).
Augusto dos Anjos, vivendo e
questionando as transformações que ocorriam a sua volta, foi tomado pelo
espírito do seu tempo, percebendo na pacata Paraíba, no soberbo Rio de Janeiro
ou na bucólica Leopoldina o mesmo que os jovens poetas alemães observavam nas
ruas cosmopolitas de Berlim, Munique ou Praga[iv].
Mas estamos tratando de um caso isolado, o que não se enquadraria na teoria.
Ocorre que a recepção crítica do Eu
há muito tempo já nem discute o seu caráter moderno: havia, sim, ao tempo em
que Augusto dos Anjos produziu sua obra, outros autores ávidos de mudança, o
que viria a desaguar no movimento de 1922. O destaque merecido ocorre com
atraso, entretanto. Seu reconhecimento se dá aos poucos – e não sem equívocos,
como aponta Eduardo Portela:
As visões
reducionistas que cerceiam, e cercearam, a leitura do Eu, exibem um estrabismo incurável. Em que pese o esforço
desenvolvido por Antônio Houaiss, M. Cavalcanti Proença, Francisco de Assis
Barbosa, Gilberto Freyre, Anatol Rosenfeld – para citar os mais
diversificadamente penetrantes –, Augusto dos Anjos continua sendo um desafio
crítico. (1994, p. 66)
[i] Herbert Spencer
(1820-1903), filósofo inglês; Ernest Haeckel
(1834-1919), filósofo alemão .
[ii] Johann
Gottfried von Herder (1744-1803), filósofo alemão.
[iii] Os alemães têm outro vocábulo
para significar visão de mundo ou cosmovisão: Weltanschauung, usado por pelo menos dois estudiosos de Augusto dos
Anjos: José Escobar Faria (1994, p. 143) e Elbio Spencer (1994, p. 185).
[iv] A hoje capital da República
Checa à época estava sob o domínio da Áustria, cuja língua oficial é o alemão.
Praga foi um dos mais importantes centros de expansão do Expressionismo.