Tenório Telles
No belo poema “Promessa”, a
poetisa portuguesa Sophia Brayner Andresen faz uma declaração de compromisso
com a liberdade: “Na clara paisagem essencial e pobre / Viverei segundo a lei
da liberdade / Segundo a lei da exacta eternidade”. Os versos da escritora
traduzem o desafio de ser livre num tempo ameaçador para o livre pensar e o
direito de ser. Tempo de banalidades, arrogância e perda dos valores.
O antídoto a esse estado de
degradação espiritual e conformismo é a arte. A beleza e a verdade nos salvarão
da barbárie e da indiferença que nos paralisam. Os criadores têm a missão de
opor resistência a essas forças que ameaçam o sonho e ultrajam a vida. Contra o
medo e o adesismo, os artistas de verdade têm a responsabilidade de dizer não
ao cerceamento da palavra e da consciência. O instrumento de que dispõem para
esse ofício é a paixão e o fogo transformador de sua criação artística. O fato
é que poucos conseguem resistir e se manter fiéis à liberdade e à honestidade
de seu trabalho criativo.
O escritor Jorge Bandeira é um
exemplo de artista resistente, cada dia mais raro na cena cultural brasileira.
A regra é a submissão aos poderes e o silêncio diante do ultraje da vida. O
trabalho criativo de Bandeira é afirmativo de seu compromisso com uma concepção
de arte fundada na realidade e atitude crítica diante dos descaminhos do mundo.
O tom predominante em seus textos e perfomances artísticas é o questionamento,
a reflexão e a denúncia da virtualização das relações sociais e do que é viver
nesta sociedade em que tudo virou objeto de consumo, inclusive o ser humano,
que deixou de ser gente, cidadão... e se transformou em cliente e consumidor.
Buscar-se, em meio a essas perdas, é uma forma de afirmação da singularidade,
de romper com a condição de objeto.
A independência tem assegurado
ao artista Jorge Bandeira algo imperativo a todo criador: a liberdade para
discutir e publicizar suas ideias e construir o artesanato de sua obra.
Polivalente e inquieto, reúne em si vários pendores: é ator, dramaturgo,
tradutor, crítico de arte, professor e cantor. Seus mais recentes trabalhos são
ilustrativos de sua opção por uma postura artística resistente e de combate: 22 lâminas, seu penúltimo espetáculo
dramático, é uma reflexão, a partir dos arcanos do Tarot, sobre a existência, o
poder e a condição humana. Mais recentemente montou Contatos imediatos de 3º grau, de Márcio Souza, em que se
problematiza o impacto da tecnologia sobre os povos indígenas e o processo de
alienação dos indivíduos.
Bandeira traduziu A caçada do Snark, de Lewis Carroll. |
Jorge Bandeira faz parte de uma
tradição de criadores: dos que resistiram à sedução do poder e se conservaram
produtivos e independentes, pondo suas criações a serviço da mudança, da
liberdade e da construção de uma consciência questionadora e cidadã. Essa
postura é fruto de sua convicção de que o artista deve ter discernimento de sua
responsabilidade diante de um mundo insensível e refratário à beleza e ao bem.
Bandeira é herdeiro da linhagem artística de Baudelaire, Artaud, Beckett,
Oswald de Andrade, Wagner Mello, entre outros. Como dizia Drummond, a condição
desses artistas é ser “gauche na
vida”, ser navegante da outra margem, dos que negam os que afirmam toda forma
de poder e dominação do ser. Jorge Bandeira, pela sua resistência e conteúdo
humano de sua obra, é um artista do seu tempo, sobretudo porque não traiu seus
princípios e o seu coração.
Obs: publicado dia 28.07.12, no jornal A Crítica.