Amigos do Fingidor

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos 5/12

Zemaria Pinto

O Expressionismo de Augusto dos Anjos



Elenquemos agora os atributos expressionistas da poesia de Augusto dos Anjos, tomando por base as características próprias dos poetas expressionistas que escreveram em alemão, na segunda década do século XX, a partir de predicados coligidos de Claudia Cavalcanti (2000, p. 17-33), Cláudia Valladão de Mattos (2002, p. 41-63), Marion Fleischer (2002b, p. 65-81) e Massaud Moisés (2004, p. 180-182), aos quais, sem maiores dificuldades, os poemas do Eu se amoldam.

A poesia de Augusto dos Anjos constitui-se como um mundo autônomo, por vezes onírico, onde a máscara lírica transita livremente, porém não sem sobressaltos, entre vermes e seres disformes, alguns invisíveis ao olho humano, mas aos quais a máscara lírica tem acesso naturalmente. Antissentimental na expressão amorosa, a máscara que o poeta utiliza para questionar seu estar-no-mundo vale-se mais dos sentimentos exacerbados que dos raciocínios lógicos. Assim é que, embora a natureza não seja um tema onipresente em sua obra, o indivíduo por trás da máscara lírica torna-se um crítico da solidão das multidões urbanas, colocando-se como um elo entre o homem e a natureza, orientado por um misticismo panteísta. Muito mais que isso, ele coloca-se como um elo entre a arte e a vida – a vida possível, só concebível com a transformação da humanidade pela arte. 

A poesia de Augusto dos Anjos coloca o “eu” no centro das suas reflexões, como se a máscara lírica, olhando para dentro si mesma, pudesse compreender melhor o mundo, em toda sua monstruosidade, tornando concreto e antropomórfico o legado abstrato dos sentimentos e sensações. Esse “eu” revela-se fragmentado, como fragmentada é a realidade que o cerca, com sua simultaneidade de falas, típica das grandes aglomerações. Ao analisarmos o título da obra, veremos que esse falso “eu” é uma estratégia de despersonalização, coerente com o procedimento expressionista, tanto quanto os arroubos patéticos e as exclamações extasiadas, a concentração máxima da dicção e os ritmos arrebatados, harmonizados com uma severa sobriedade. O uso de superlativos e advérbios expressivos é outra característica facilmente encontrável na poesia de Augusto dos Anjos, assim como as repetições rítmicas e as frases e estrofes alinhadas parataticamente.

 Uma propriedade fundamental da poesia de Augusto dos Anjos é o uso do grotesco, como projeção de uma civilização em decadência, corrompida pelo egotismo que brutaliza as cidades – aglomerados desumanos e caóticos. Na esteira do grotesco, o uso de elementos caricaturais e de humor corrosivo são complementos que deformam ao extremo a visão distorcida que, longe de se pretender engraçada, provoca asco. Despersonalizado, o ser humano que emerge dessa poesia é arrastado pela convulsão de uma realidade que se lhe afigura, o mais das vezes, uma dimensão demoníaca, que ele não entende, mas da qual não se desgarra. Por isso, sua simpatia real pelos indivíduos marginalizados, atrofias sociais, sempre presentes em suas visões aterradoras. Diante de um mundo em decomposição, em que a técnica esmaga o ser humano e a ciência o ilude e o desaponta, onde a própria natureza mostra-se também enferma, não resta alternativa à máscara expressionista senão pregar, em tom messiânico, o retorno aos valores do espírito e o nascimento de uma nova humanidade, que virá substituir aquela massa amorfa e anônima, marcada pela solidão, pela mecanização e pela esterilidade espiritual.