Zemaria Pinto
O Expressionismo de Augusto dos Anjos
Elenquemos agora os atributos
expressionistas da poesia de Augusto dos Anjos, tomando por base as
características próprias dos poetas expressionistas que escreveram em alemão,
na segunda década do século XX, a partir de predicados coligidos de Claudia
Cavalcanti (2000, p. 17-33), Cláudia Valladão de Mattos (2002, p. 41-63),
Marion Fleischer (2002b, p. 65-81) e Massaud Moisés (2004, p. 180-182), aos
quais, sem maiores dificuldades, os poemas do Eu se amoldam.
A poesia de Augusto dos Anjos
constitui-se como um mundo autônomo, por vezes onírico, onde a máscara lírica
transita livremente, porém não sem sobressaltos, entre vermes e seres
disformes, alguns invisíveis ao olho humano, mas aos quais a máscara lírica tem
acesso naturalmente. Antissentimental na expressão amorosa, a máscara que o
poeta utiliza para questionar seu estar-no-mundo vale-se mais dos sentimentos
exacerbados que dos raciocínios lógicos. Assim é que, embora a natureza não
seja um tema onipresente em sua obra, o indivíduo por trás da máscara lírica
torna-se um crítico da solidão das multidões urbanas, colocando-se como um elo
entre o homem e a natureza, orientado por um misticismo panteísta. Muito mais
que isso, ele coloca-se como um elo entre a arte e a vida – a vida possível, só
concebível com a transformação da humanidade pela arte.
A poesia de Augusto dos Anjos coloca o
“eu” no centro das suas reflexões, como se a máscara lírica, olhando para
dentro si mesma, pudesse compreender melhor o mundo, em toda sua
monstruosidade, tornando concreto e antropomórfico o legado abstrato dos
sentimentos e sensações. Esse “eu” revela-se fragmentado, como fragmentada é a
realidade que o cerca, com sua simultaneidade de falas, típica das grandes
aglomerações. Ao analisarmos o título da obra, veremos que esse falso “eu” é
uma estratégia de despersonalização, coerente com o procedimento
expressionista, tanto quanto os arroubos patéticos e as exclamações extasiadas,
a concentração máxima da dicção e os ritmos arrebatados, harmonizados com uma
severa sobriedade. O uso de superlativos e advérbios expressivos é outra
característica facilmente encontrável na poesia de Augusto dos Anjos, assim
como as repetições rítmicas e as frases e estrofes alinhadas parataticamente.
Uma propriedade fundamental da poesia de
Augusto dos Anjos é o uso do grotesco, como projeção de uma civilização em
decadência, corrompida pelo egotismo que brutaliza as cidades – aglomerados
desumanos e caóticos. Na esteira do grotesco, o uso de elementos caricaturais e
de humor corrosivo são complementos que deformam ao extremo a visão distorcida
que, longe de se pretender engraçada, provoca asco. Despersonalizado, o ser
humano que emerge dessa poesia é arrastado pela convulsão de uma realidade que
se lhe afigura, o mais das vezes, uma dimensão demoníaca, que ele não entende,
mas da qual não se desgarra. Por isso, sua simpatia real pelos indivíduos
marginalizados, atrofias sociais, sempre presentes em suas visões aterradoras.
Diante de um mundo em decomposição, em que a técnica esmaga o ser humano e a
ciência o ilude e o desaponta, onde a própria natureza mostra-se também
enferma, não resta alternativa à máscara expressionista senão pregar, em tom
messiânico, o retorno aos valores do espírito e o nascimento de uma nova
humanidade, que virá substituir aquela massa amorfa e anônima, marcada pela
solidão, pela mecanização e pela esterilidade espiritual.