João Bosco Botelho
De caçador-coletor à vida sedentária
As mudanças climáticas ocorridas, em torno de 12000
anos AP (Antes do Presente), na Europa, proporcionaram incríveis transformações
nas relações sociais dos caçadores‑coletores. O recuo das geleiras provocou a
migração da fauna em direção às regiões setentrionais, com substituição das
estepes pela floresta, obrigando os nossos ancestrais distantes à se adaptarem
à nova fase.
Os elementos sagrados continuaram acompanhando os
caçadores-coletores na nova trajetória de conquistas. O espaço que garantia a
sobrevivência havia se deslocado, efetivamente, em direção das terras férteis
próximas aos rios e lagos.
O lago de Stellmoor, perto de Hamburgo, na Alemanha
Ocidental, constitui marco desse período. Muitos objetos com forte aparência de
sacralidade, encontrados nesse sítio arqueológico, datam de 8.000 anos. Um
deles chamou particularmente a atenção: a estaca de pinho com um crânio de rena
na sua porção mais alta. Os posteriores estudos do solo comprovaram incontáveis
resíduos ósseos desse animal, com claras marcas de a carne ter sido retirada
com a ajuda de artefatos de pedra. Esse fato sugere que a rena representou uma
das mais importantes fontes da sobrevivência daquelas pessoas que lutavam
diuturnamente contra o congelamento dos próprios corpos.
Em outra área de pesquisa arqueológica neolítica, não
muito distante da anterior, foi resgatado um tronco de salgueiro com mais de
três metros de comprimento, grosseiramente esculpido, se percebendo a cabeça e
o pescoço de uma figura humana. O
simbolismo expressado nos totens parece configurar a convivência de dois
momentos distintos do universo mítico: a divinização do bicho e a do próprio
homem. Dessa forma, parece lógico pressupor não ser difícil, para quem já
tornou sagrado o circundante, tomar para si a sagração.
A última grande modificação climática do planeta, resultante
do deslocamento das geleiras, interferiu na passagem do antepassado caçador‑coletor
à vida sedentária, quando as comunidades neolíticas optaram pela vida mais sedentária,
ao contrário das anteriores, nômades.
A mudança também reconhecida como Revolução Agro‑Pastoril
do Neolítico se processou como o produto final de combinações circunstanciais, culminando
com as práticas agrícolas.
É certo que não podemos estabelecer limites rígidos
no tempo para situar esse aspecto civilizatório para as diferentes culturas. Contudo,
é possível assimilar que os povos situados em diferentes continentes viveram
situações semelhantes em fases diversas, variando de 10.000, na Mesopotâmia, a
7.000 anos, no planalto mexicano.