Amigos do Fingidor

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tigre no Espelho – Análise da obra 5/6


Zemaria Pinto
 

Meu contrato milionário – Observe, leitor, a forma como este conto é apresentado, através de sequências, com registro do tempo e do lugar onde se desenvolve a ação. Essa é uma referência direta à linguagem cinematográfica, embora seja inimaginável uma sequência na qual o personagem tenha uma fala tão longa como a que abre este conto. Na verdade, o autor apenas usa o recurso cinematográfico para fazer literatura.  

DJ, o personagem principal, é um escritor que acaba de tirar a sorte grande: assina um contrato com uma editora, pelo qual recebe um adiantamento. O problema é que ele ainda nem começou a escrever o romance contratado. DJ é o mesmo escritor-personagem de “Aranha tece a teia”, que, você deve estar lembrado, buscava inspiração ao lado de Lily. Aqui, a companheira é Mariana, cujo irmão, Thiago, é assassinado no desenrolar da trama. 

Neste conto, a representação da busca pela motivação de escrever tem um cunho quase didático: a partir de um dado real, o assassinato de Thiago, DJ começa a tecer o seu romance, transformando a realidade, reinventando-a, pois é assim que se dá a gênese da literatura de ficção. Observe, leitor, que a trama ficcional de DJ vai muito além da realidade que ele conhecia: 

(...) DJ decide armar o jogo da ficção. Um homem é assassinado. A viúva sorteia entre os filhos aquele que irá vingar a morte do pai assassinado por um pistoleiro de aluguel. Um jagunço é contratado pela viúva para cuidar que ninguém mate o pistoleiro antes que o filho vingue a morte do pai.

(...) DJ retoma a história que está nascendo. Mas o filho vai ter que ser preparado, treinar muito com a arma de fogo, até ficar muito bom na mira do trabuco. A história começa a ficar interessante. Parece que finalmente encontrei o fio da meada. Agora é ir como a aranha, tecendo a teia. 

Anotações para um conto – Escrito em primeira pessoa, é subdividido em quatro anotações. Na primeira, há como que uma “invocação às musas” da poesia: o escritor-narrador sente-se sem “inspiração”, sem forças para escrever. Na segunda anotação, ele faz observações sobre um personagem: um escritor que, como ele, tinha dificuldades de criar. Na terceira anotação, surge Santiago, personagem deliberadamente tomado emprestado do escritor norte-americano Ernest Hemingway (1898-1961), da novela O Velho e o Mar, seu maior sucesso de público.  

A anotação de número quatro faz uma digressão sobre o estado mental do escritor-personagem. Ele se identifica tanto com Hemingway, que sente remorsos por seus atos. Na última anotação, o escritor entra em definitivo no mundo fictício de Hemingway, mais especialmente na fábula de O Velho e o Mar 

O caráter metalinguístico deste conto permite-nos imaginar que, não fora o desgaste das tentativas anteriores, Adrino Aragão poderia fazer com Hemingway o que fizera com Borges e Kafka. A opção pelas “anotações”, entretanto, pareceu-nos mais correta, porque apenas sugere o que nos outros é perigosamente explicitado.