Zemaria Pinto
Meu contrato
milionário –
Observe, leitor, a forma como este conto é apresentado, através de sequências,
com registro do tempo e do lugar onde se desenvolve a ação. Essa é uma
referência direta à linguagem cinematográfica, embora seja inimaginável uma sequência
na qual o personagem tenha uma fala tão longa como a que abre este conto. Na
verdade, o autor apenas usa o recurso cinematográfico para fazer literatura.
DJ, o personagem
principal, é um escritor que acaba de tirar a sorte grande: assina um contrato
com uma editora, pelo qual recebe um adiantamento. O problema é que ele ainda
nem começou a escrever o romance contratado. DJ é o mesmo escritor-personagem
de “Aranha tece a teia”, que, você deve estar lembrado, buscava inspiração ao
lado de Lily. Aqui, a companheira é Mariana, cujo irmão, Thiago, é assassinado
no desenrolar da trama.
Neste conto, a
representação da busca pela motivação de escrever tem um cunho quase didático:
a partir de um dado real, o assassinato de Thiago, DJ começa a tecer o seu
romance, transformando a realidade, reinventando-a, pois é assim que se dá a
gênese da literatura de ficção. Observe, leitor, que a trama ficcional de DJ
vai muito além da realidade que ele conhecia:
(...) DJ decide armar o jogo da ficção. Um homem é assassinado.
A viúva sorteia entre os filhos aquele que irá vingar a morte do pai
assassinado por um pistoleiro de aluguel. Um jagunço é contratado pela viúva
para cuidar que ninguém mate o pistoleiro antes que o filho vingue a morte do
pai.
(...) DJ retoma a história que está nascendo. Mas o filho vai
ter que ser preparado, treinar muito com a arma de fogo, até ficar muito bom na
mira do trabuco. A história começa a ficar interessante. Parece que finalmente
encontrei o fio da meada. Agora é ir como a aranha, tecendo a teia.
Anotações para um
conto – Escrito em
primeira pessoa, é subdividido em quatro anotações. Na primeira, há como que
uma “invocação às musas” da poesia: o escritor-narrador sente-se sem “inspiração”,
sem forças para escrever. Na segunda anotação, ele faz observações sobre um
personagem: um escritor que, como ele, tinha dificuldades de criar. Na terceira
anotação, surge Santiago, personagem deliberadamente tomado emprestado do
escritor norte-americano Ernest Hemingway (1898-1961), da novela O Velho e o Mar, seu maior sucesso de
público.
A anotação de número
quatro faz uma digressão sobre o estado mental do escritor-personagem. Ele se
identifica tanto com Hemingway, que sente remorsos por seus atos. Na última
anotação, o escritor entra em definitivo no mundo fictício de Hemingway, mais
especialmente na fábula de O Velho e o
Mar.
O caráter metalinguístico
deste conto permite-nos imaginar que, não fora o desgaste das tentativas
anteriores, Adrino Aragão poderia fazer com Hemingway o que fizera com Borges e
Kafka. A opção pelas “anotações”, entretanto, pareceu-nos mais correta, porque
apenas sugere o que nos outros é perigosamente explicitado.