Amigos do Fingidor

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O cólera no Amazonas imperial


 
João Bosco Botelho

 

            O cólera chegou ao Pará em 15 de maio de 1875, a bordo da galera portuguesa “Defensor”. O diário de bordo descreveu a agonia dos trinta e cinco dias de viagem, entre a cidade do Porto (Portugal) e Belém (Pará), retratada na morte de trinta e seis passageiros.

            Nos dias que se seguiram, os registros sugerem ter havido pressão de interesses escusos e incompetência para que a galera fosse autorizada a desembarcar sem qualquer controle sanitário.

            O cólera-morbo desembarcou em Belém e continuou a viagem, poucos dias depois, para Óbitos e Manaus, a bordo do vapor Tapajós, com os trinta e dois colonos estrangeiros, que desembarcaram em Óbitos, e quarenta militares do 11º Batalhão de Caçadores que se dirigiam para Manaus. Na semana seguinte, o cirurgião do Corpo de Saúde do Exército, comunicou que dois soldados do 11º Batalhão de Caçadores estavam contaminados com cólera-morbo.

            É possível que a Companhia de Comércio e Navegação do Alto Amazonas, proprietária do Tapajós, concessionária da exclusividade da navegação a vapor, no rio Amazonas, tenha pressionado as autoridades da Província para a ocultação da gravidade da epidemia. A notícia chegada da mortal enfermidade alarmaria outros imigrantes estrangeiros, o que implicaria em prejuízos à Companhia do Visconde de Mauá, representante dos interesses da Inglaterra na Amazônia.

            O fluxo migratório de colonos europeus para a Amazônia começou em 1854, um século depois do fracasso do Diretório Pombalino, coordenado pela mesma Companhia com objetivo de substituição da mão de obra indígena, para melhorar a produção agrícola.

            Com o medo coletivo da morte fora de controle, sem alternativas de tratamento, as pessoas apavoradas propuseram muitos remédios, desde o cozimento concentrado de goma arábica, até as infusões de folhas medicinais, sempre acompanhadas dos purgativos. Porém, o maior sucesso se voltou ao suco de limão concentrado como a grande revelação para o tratamento do cólera-morbo, principalmente para os pobres, a maioria da população, que não podiam pagar as extravagantes combinações farmacológicas dos médicos.

            A notícia de milhares de novos casos no interior da Província aumentava o medo. Na localidade de Cametá, com a população de seis e sete mil habitantes, o número de mortes chegou a cinquenta pessoas por dia. O Presidente da Província do Pará, impressionado com a gravidade da situação, fez visita no local e morreu vítima do cólera-morbo a bordo do paquete Rio Negro, quando regressava da viagem.

            A busca dos culpados por meio da expiação dos pecados tomou corpo. O bispo de Belém, acreditando que a ira divina só poderia ser aplacada com rezas e penitências, promoveu, com a autorização do Presidente da Comissão de Higiene, concorridas peregrinações e ritos que acabaram por se constituir em um momento facilitador da propagação do bacilo.