João
Bosco Botelho
O cólera chegou ao Pará em 15 de
maio de 1875, a bordo da galera portuguesa “Defensor”. O diário de bordo
descreveu a agonia dos trinta e cinco dias de viagem, entre a cidade do Porto
(Portugal) e Belém (Pará), retratada na morte de trinta e seis passageiros.
Nos dias que se seguiram, os registros
sugerem ter havido pressão de interesses escusos e incompetência para que a
galera fosse autorizada a desembarcar sem qualquer controle sanitário.
O
cólera-morbo desembarcou em Belém e continuou a viagem, poucos dias depois, para
Óbitos e Manaus, a bordo do vapor Tapajós, com os trinta e dois colonos
estrangeiros, que desembarcaram em Óbitos, e quarenta militares do 11º Batalhão
de Caçadores que se dirigiam para Manaus. Na semana seguinte, o cirurgião do
Corpo de Saúde do Exército, comunicou que dois soldados do 11º Batalhão de
Caçadores estavam contaminados com cólera-morbo.
É possível que a Companhia de
Comércio e Navegação do Alto Amazonas, proprietária do Tapajós, concessionária
da exclusividade da navegação a vapor, no rio Amazonas, tenha pressionado as
autoridades da Província para a ocultação da gravidade da epidemia. A notícia
chegada da mortal enfermidade alarmaria outros imigrantes estrangeiros, o que
implicaria em prejuízos à Companhia do Visconde de Mauá, representante dos
interesses da Inglaterra na Amazônia.
O fluxo migratório de colonos
europeus para a Amazônia começou em 1854, um século depois do fracasso do
Diretório Pombalino, coordenado pela mesma Companhia com objetivo de
substituição da mão de obra indígena, para melhorar a produção agrícola.
Com o medo coletivo da morte fora de
controle, sem alternativas de tratamento, as pessoas apavoradas propuseram
muitos remédios, desde o cozimento concentrado de goma arábica, até as infusões
de folhas medicinais, sempre acompanhadas dos purgativos. Porém, o maior
sucesso se voltou ao suco de limão concentrado como a grande revelação para o
tratamento do cólera-morbo, principalmente para os pobres, a maioria da
população, que não podiam pagar as extravagantes combinações farmacológicas dos
médicos.
A notícia de milhares de novos casos
no interior da Província aumentava o medo. Na localidade de Cametá, com a
população de seis e sete mil habitantes, o número de mortes chegou a cinquenta
pessoas por dia. O Presidente da Província do Pará, impressionado com a
gravidade da situação, fez visita no local e morreu vítima do cólera-morbo a
bordo do paquete Rio Negro, quando regressava da viagem.
A busca dos culpados por meio da
expiação dos pecados tomou corpo. O bispo
de Belém, acreditando que a ira divina só poderia ser aplacada com rezas e
penitências, promoveu, com a autorização do Presidente da Comissão de Higiene,
concorridas peregrinações e ritos que acabaram por se constituir em um momento
facilitador da propagação do bacilo.