João
Bosco Botelho
A principal diferença entre a
prática médica oficial (autorizada pelo Estado), a empírica (resultante do
conhecimento historicamente acumulado) e a divina (estruturada na fé de que a
matéria, viva ou inerte, pode ser modificada pela ação divina) está assentada
no fato de que a Medicina oficial molda o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento
sobre propostas teóricas.
Esse conjunto histórico
apresenta três momentos (ou cortes epistemológicos, na linguagem de Bachelard):
1. A Teoria dos Quatro Humores elaborada pela
Escola Médica Cós, da Grécia, há 2400 anos. A compreensão da morfologia da
doença recebeu a dimensão do corpo. Nessa época, pela primeira vez, a doença
recebeu abordagem fora do domínio transcendente da divindade;
2. No
século 17, quando a doença saiu do corpo para a microestrutura celular, pelos
estudos de Marcelo Malpighi (1628‑1694). Estava iniciado o pensamento
micrológico. Os hospitais dos países subdesenvolvidos, mesmo realizando
transplantes, continuam executando a Medicina de Malpighi;
3. No
século 19, a genética do frade agostiniano Gregor Mendel (1822‑1844), impulsionou
a passagem da estrutura celular para a molécula e inaugurou a mentalidade
molecular. O fruto final deverá ser a completa compreensão dos genes, não só a
simples identificação gênica do projeto Genoma. Apesar da extraordinária
importância, o projeto genoma só mapeou os nossos genes, muito distante da
futura compreensão de como eles funcionam inter-relacionados com a diversidade
dos seres viventes.
Mesmo com os avanços da melhor
compreensão da morfologia da doença, na macro e na micro dimensão, obtidos em
pouco mais de dois mil anos de história, o médico sofre, no cotidiano,
incontáveis dúvidas. Sem poder empurrar os limites do sofrimento fora de
controle e da morte prematura, notadamente, nos cânceres e nas patologias
imunomoduladas, mesmo baseados nas publicações científicas, repetem os tratamentos
que oferecem melhores resultados sem oferecerem respostas satisfatórias.
Essa é uma das grandes sagas da
inteligência humana: continuar empurrando os limites da vida a partir do
desvendar da arqueologia da doença!
Como o conhecimento atual já domina
parte da estrutura atômica, muito além da molécula, é claro supor que esse será
o caminho da busca da origem da doença nos próximos séculos (já lastimo que não
poderei testemunhar): a busca da cura entre os átomos. Sem dúvida, representará
para a ciência o quarto corte no conhecimento da Medicina. É possível que
teremos muitas respostas que continuam inquietando a Medicina oficial: muitas
formas de cânceres e doenças autoimunes que continuam ceifando incontáveis
vidas, mesmo usando toda a tecnologia disponível.
Por
outro lado, existem questões muito importantes não resolvidas que interligam as
Medicinas oficial e divina. Existiriam, realmente, pessoas com poderes excepcionais
– dom – suficientes para curar pessoas, isto é, mudar a estrutura da matéria viva
fora de todas as leis físicas que regem o universo?