Amigos do Fingidor

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Medicina hipocrática


 
João Bosco Botelho

 

A consolidação da civilização grega ligada à polis com a sua estrutura político-jurídica definida e o homem sendo visto como a medida de todas as coisas, constituem o esplendor da nova visão das relações do homem com ele mesmo e com o meio.

A figura de Hipócrates, considerado o pai da Medicina, terá nascido no ano 460 a.C., na ilha de Cos, nessa Grécia caracterizada pela busca da racionalidade. Ele foi contemporâneo de Sócrates, do sofista Górgias e de Demócrito, com quem teria tido relações pessoais e profissionais em Abdera.

Sem qualquer dúvida, foi Hipócrates o fundador das bases da atual ordem médica e ele representa para a Medicina o mesmo que Platão para a filosofia.

A produção literária atribuída a Hipócrates é enorme. Hoje, sabe-se que muitos dos livros são apócrifos, porém, parece não haver dúvidas da participação de Hipócrates, direta ou indiretamente, na elaboração dos seguintes: Epidemia, O Prognóstico, Tratado Cirúrgico, Tratado Dietético, Tratado Nosológico, Tratado Ginecológico e Tratado Ético, sendo este último o responsável pelo suporte teórico da Medicina no Ocidente.

Na mesma época em que Demócrito lançava as bases do atomismo – tudo é formado por átomos que são partículas indivisíveis e invisíveis, eternas e imutáveis – dando pela primeira vez a explicação do odor, da cor e do sabor, Hipócrates lançava sua teoria dos quatro humores para explicar o aparecimento de doenças.

Na ilha de Cos, foi fundada a Escola de Medicina, dirigida por Hipócrates, que conseguiu reunir dezenas de colaboradores, dando início verdadeiramente a esboço de separação da Medicina da religião.

Entre as dezenas de ensinamentos hipocráticos, destacam-se como ainda atuais e pertinentes os conceitos de diagnósticos, prognósticos e tratamento, distinção entre sintoma e doença, os três aforismos – o médico e a sua arte, o doente e a sua natureza individual e a doença. Estes conceitos, apesar de terem sofrido aperfeiçoamento ao longo dos séculos, continuam válidos e utilizados, mesmo com toda a tecnologia da moderna Medicina.

Os instrumentos cirúrgicos que foram utilizados pelos médicos gregos são absolutamente semelhantes aos de hoje: as sondas, os bisturis, os trépanos, as pinças e os afastadores. As observações do corpo humano foram responsáveis pelas descrições minuciosas e maravilhosas da anatomia, como as feitas por Herófilo, contemporâneo de Hipócrates, que distinguiu o cérebro do cerebelo, identificou as membranas meníngeas e o líquido cérebro-raquidiano, as funções motoras e sensitivas dos nervos periféricos.

Quando a Escola de Cós estava no seu apogeu e Hipócrates era reconhecido como a maior autoridade médica do seu tempo, havia harmoniosa convivência entre a nova Medicina e as práticas médico-míticas exercidas pelos sacerdotes-médicos dos templos de Esculápio. Foram recuperadas várias tábuas de argila no templo-hospital de Epidauro com agradecimento ao deus Asclépio pela cura obtida.

A própria aparência do médico foi prevista pelos ensinamentos hipocráticos. No capítulo Do Médico, no Tratado Ético, lê-se: A norma do médico deverá ter boa cor e bom aspecto (...) Pois será de grande utilidade para colocar-se elegantemente e perfumado agradavelmente (...) e tudo isto agradará ao doente.