Jane Cony
Por volta de dez horas chegava nosso companheiro de chá, e mesmo estando ocupados
com as lidas de montar uma exposição, parávamos para conversar e aprender com
Luiz Bacellar. Escolhíamos o tipo de chá, às vezes pela sua exoticidade e daí
fluía uma conversa sobre fitoterápicos, ou sobre uma matéria de alguma revista
ou livro que estava lendo. Às vezes
discutíamos alguns clássicos da literatura que hoje poucos leem e que muitos
perdem. Com Luiz, voltei a falar e reler meus amados russos.
Há onze meses, o Velho Poeta não nos
fala das peculiaridades de ervas e chás, das histórias da aristocracia
vitoriana ou das mudanças em algum dos quartéis de armas no escudo de sua
família. Mas em mim ainda está muito presente nosso último encontro na Fundação.
Cheguei como sempre por volta de nove horas com as revistas e guloseimas. Respirando fundo antes de entrar para que
meus olhos, como sempre, não mostrassem nada além de amor, respeito e otimismo.
Ele estava dormindo quase em posição
fetal, com o telefone no ouvido. O arrumei no travesseiro, coloquei o telefone
ao seu lado e fiquei sentada rezando ao Deus que conheço que não queria ver o
Luiz altivo e orgulhoso, como alguns dos velhinhos ao nosso redor. Implorei a
Deus que o levasse antes que ele perdesse o que mais prezava: sua sanidade, o
pensamento ágil. Ele acordou, falamos um pouco e voltou a dormir. Fiquei mais um
pouco. Foi à única vez que chorei por Luiz Bacellar.
Ele partiu, mas está sempre presente quando alguém fala no meio da
manhã: Vamos tomar um chá? E a cadeira
onde ele costumava sentar geralmente fica vazia nesses momentos. E entre um
assunto e outro sobre a cidade, sempre se ouve: O que Bacellar diria? Cá entre meus botões, penso: responderia com
uma ironia mordaz, que poucos entenderiam.