Amigos do Fingidor

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Platônica XI




                                                                             Jane Cony

 

         Por volta de dez horas chegava nosso companheiro de chá, e mesmo estando ocupados com as lidas de montar uma exposição, parávamos para conversar e aprender com Luiz Bacellar. Escolhíamos o tipo de chá, às vezes pela sua exoticidade e daí fluía uma conversa sobre fitoterápicos, ou sobre uma matéria de alguma revista ou livro que estava lendo.  Às vezes discutíamos alguns clássicos da literatura que hoje poucos leem e que muitos perdem. Com Luiz, voltei a falar e reler meus amados russos. 

        Há onze meses, o Velho Poeta não nos fala das peculiaridades de ervas e chás, das histórias da aristocracia vitoriana ou das mudanças em algum dos quartéis de armas no escudo de sua família. Mas em mim ainda está muito presente nosso último encontro na Fundação. Cheguei como sempre por volta de nove horas com as revistas e guloseimas.  Respirando fundo antes de entrar para que meus olhos, como sempre, não mostrassem nada além de amor, respeito e otimismo. 

         Ele estava dormindo quase em posição fetal, com o telefone no ouvido. O arrumei no travesseiro, coloquei o telefone ao seu lado e fiquei sentada rezando ao Deus que conheço que não queria ver o Luiz altivo e orgulhoso, como alguns dos velhinhos ao nosso redor. Implorei a Deus que o levasse antes que ele perdesse o que mais prezava: sua sanidade, o pensamento ágil. Ele acordou, falamos um pouco e voltou a dormir. Fiquei mais um pouco. Foi à única vez que chorei por Luiz Bacellar. 

        Ele partiu, mas está sempre presente quando alguém fala no meio da manhã: Vamos tomar um chá?  E a cadeira onde ele costumava sentar geralmente fica vazia nesses momentos. E entre um assunto e outro sobre a cidade, sempre se ouve: O que Bacellar diria?  Cá entre meus botões, penso: responderia com uma ironia mordaz, que poucos entenderiam.