Amigos do Fingidor

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sob a concha da panacarica – estudo 2/8


Zemaria Pinto

 

 

O delito da bondade – Como de rotina, Zeca senta-se sob a velha mangueira e recorda os tempos em que era moço, quando tinha  seu pai, Santos, por perto. As recordações do velho servem para contar a sua história. Os filhos mudam-se para a cidade, a mulher morre.  Zeca encontra-se solitário na fazenda, e os filhos resolvem fazer a partilha dos bens, colocando o patriarca em um abrigo de idosos. Zeca foge do asilo e volta para sua antiga fazenda, pede abrigo com o atual proprietário e, contando com a solidariedade deste, volta a morar em sua antiga propriedade, numa casinha humilde. Os filhos não tomam conhecimento do ocorrido. Retorno ao presente, para presenciarmos a morte de Zeca, entre passarinhos:

 

E, de repente, o velho Zeca se sentiu entre eles. E voou, como seu pai, o velho Santos o fizera, anos antes, para os confins da eternidade.

 

Se levarmos em consideração que o conto social tem como característica a denúncia  das falhas e problemas da sociedade,  podemos enquadrar O delito da bondade como tal, uma vez que aponta para o abandono do idoso e para o fato de que, em nossa sociedade, o homem só tem valor enquanto é produtivo.

Ingenuidade – Corina olha o infinito, tentando visualizar alguém. As recordações servem como resumo dos fatos que decidiram sua atual sorte: o feliz casamento com Bruno; seu convencimento pelas amigas adúlteras em trair o marido; a traição e a descoberta do ato; a consequente decisão do marido traído em abandoná-la.

O olhar o infinito constitui-se, sabe-se então, na vida presente de Corina: o eterno esperar, consumida pela certeza de ter sido a única responsável por seu sofrimento.

 

E desde então, todos os dias, quando a manhã chegava, ela ia estender o seu olhar de culpa e de arrependimento pela extensão indiferente da estrada, à procura de um vulto que o tempo escondera no livro do nunca mais.

 

O boto – Através das recordações de Manduca, tomamos conhecimento de que sua mulher, Chica, casara grávida, vítima da sedução do boto. Sabemos também que o velhaco continua a persegui-la, e que Manduca quase consegue matá-lo, alvejando-o. No retorno ao presente, vemos Manduca descobrindo a verdade: sempre fora traído pela mulher com o amigo Adriano, que é o pai de sua filha Martinha. Resolve abandonar o lar, levando consigo, como vingança, a “desgraça” de Adriano, que,  alvejado no órgão sexual, de nada mais serve para a fogosa Chica.

E é assim, com humor, que aparece a crendice do homem interiorano na figura do boto, sedutor de mocinhas, e pai de todas as crianças sem paternidade reconhecida. Podemos classificá-lo como conto regionalista.

No igarapé – Judite retorna a sua terra, após longo exílio, e caminha à beira de um igarapé poluído. Em lembranças, resume os fatos que direcionaram o seu melancólico presente: em um tempo distante, às margens do mesmo igarapé, fora estuprada por Vítor.  Assim como ela, também o algoz fez seu exílio, tornou-se um solitário, expiando a culpa por ter maculado seu amor. Retornando ao presente, testemunhamos o reencontro entre os dois:

 

Por algum tempo deixou-se ficar, fingindo que dormia. Depois sobreveio-lhe um choro convulsivo. E confirmou o perdão que já concedera ao moço.

 

O sonho – Sandra está deitada na rede, na sala da fazenda. Relembra uma cena que presenciara outrora: o amor entre Roseno e Marta, esta traindo o marido – um ato animalesco. Embriagada pelas recordações, no presente, tem uma espécie de sonho, sentindo-se Marta, seduzida pelo peão. Descobrimos que e o amante é o próprio marido, havendo, assim, um final feliz.

O “voyeur” – Ricardo, o marido de Magda, é um “voyeur”, isto é, uma pessoa que se excita sexualmente olhando, sem participar diretamente das ações. O termo é francês, mas vulgarmente pode ser substituído por “brechar”. O casamento acalma os instintos de Ricardo, todavia, a gravidez da mulher acorda seus sentimentos. Há um retorno ao passado, para mostrar-nos como começou a hábito do indivíduo. No retorno ao presente, Ricardo, aproveitando que a mulher e a criança não estavam em casa,  observa o quintal vizinho, onde um sujeito excêntrico e viril é visitado por uma mulher mascarada, para o ato sexual. Quando sua esposa chega em casa, exausta, repudia o marido que, por acaso, descobre entre as coisas da mulher a máscara e as roupas usadas pela visitante do vizinho.

Nas asas do folclore – Marcolino é o velho pai de Pedro Mateus, que está fazendo uma grande festa para o padroeiro, São Pedro.

Marcolino deixa-se ficar distante da festança, apenas observando os brincantes. Relembra o porquê de preferir não participar das coisas, de não dar palpites: vira Edson, um sujeito truculento, mantendo relações sexuais com Julinha, mulher casada. Fora ameaçado pelo sedutor e resolvera nada falar. Julinha procurou-o e pagou, com seu corpo, o silêncio do velho.

De seu posto de observação, Marcolino vê duas jovens fazendo adivinhações juninas: Florinha vê a letra “E” representando o nome do futuro marido. Em seguida, vê Edson fazendo também uma adivinhação sobre a terra molhada pela urina de Florinha. Diverte-se em saber que o truculento também crê em adivinhações. Vê, também, Betinho, comprometido com Tonha, ser seduzido por Florinha.

Nas outras noites, acompanhou, sem ser visto, os encontros entre ambos, bem como ficou sabendo que a jovem estava grávida e a solução encontrada para o problema pelos amantes: Florinha cederia aos caprichos de Edson, que desejava casar-se com ela.

No final, com sabor de vingança, Marcolino é o único, além do casal de amantes, a saber que o filho de Edson era, na verdade, de Betinho. Além disso, Edson deixa de perseguir o velho, pois estava empolgado com a esposa e o filho.  

O folclore, aqui, representado pelos folguedos juninos, aparece em tom de humor, mostrando as crendices do povo.