Zemaria Pinto
Fátima
As feições eram de um querubim
barroco: loura, branca, o nariz afilado, um ar amolecado. A voz estridente e o
forte sotaque revelavam-lhe a origem nordestina. Fátima visitou-me em sonhos
tantas vezes quantas eu fui à modesta taberna da pequena cidade, onde
insistíamos em continuar vivos, a quarenta graus. Fátima segurava minhas mãos e
dizia que se o pai nos visse, botava os dois pra correr – e sorria, com os
dentes mais brancos como eu jamais vira. O balcão nos separava e protegia. Nas
missas das manhãs de domingo, ela segurava minha mão e ficávamos assim por
quase todo o ritual. Na saída, ela beijava-me levemente a face e despedia-se às
pressas. Precisava voltar para trás do balcão. Essa rotina durou alguns meses.
Aos poucos, Fátima foi ficando distante, como um barco que se faz ao largo, até
que a perdi de vista. Fico pensando em como seria Fátima envelhecida, hoje, e
não consigo compor uma imagem, porque só me vem à mente o angelical semblante.
Anjos não envelhecem.