Amigos do Fingidor

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Lábios que beijei 13



Zemaria Pinto
Fátima


As feições eram de um querubim barroco: loura, branca, o nariz afilado, um ar amolecado. A voz estridente e o forte sotaque revelavam-lhe a origem nordestina. Fátima visitou-me em sonhos tantas vezes quantas eu fui à modesta taberna da pequena cidade, onde insistíamos em continuar vivos, a quarenta graus. Fátima segurava minhas mãos e dizia que se o pai nos visse, botava os dois pra correr – e sorria, com os dentes mais brancos como eu jamais vira. O balcão nos separava e protegia. Nas missas das manhãs de domingo, ela segurava minha mão e ficávamos assim por quase todo o ritual. Na saída, ela beijava-me levemente a face e despedia-se às pressas. Precisava voltar para trás do balcão. Essa rotina durou alguns meses. Aos poucos, Fátima foi ficando distante, como um barco que se faz ao largo, até que a perdi de vista. Fico pensando em como seria Fátima envelhecida, hoje, e não consigo compor uma imagem, porque só me vem à mente o angelical semblante. Anjos não envelhecem.