Amigos do Fingidor

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Lábios que beijei 50


Zemaria Pinto

Romana


Nos anos 1960, o mundo virou literalmente de cabeça para baixo. Passado dos 30, era difícil acompanhar o turbilhão de mudanças que os jovens promoviam – e alguns nem tão jovens, como Luther King e Timothy Leary. Mas os grandes paradigmas, pelo menos na minha cabeça, eram as drogas e a liberalidade sexual – que, aliás, eu já praticava, apenas pelo meu lado, havia mais de duas décadas. Foi então que conheci Romana, 15 anos mais jovem, meio hippie, um tanto mística, e absolutamente desregrada. Romana fazia teatro, escrevia crônicas para um jornal “alternativo”, que era publicado junto com um jornalão, aos domingos, e apresentava-se como poeta e artista plástica. Não era uma coisa e nem outra: não produzia nada, além de muita fumaça, o dia inteiro. E quando estava sem erva ficava extremamente depressiva. Mas era jovem e bela – qualquer sacrifício seria suportável. Insuportável só mesmo o seu discurso feminista, que ela liberava a qualquer momento, nas horas mais impróprias, o que acabou por me tornar alvo de piada dos amigos. Mas como era gostosa!.., especialmente quando estava chapada, gozando vezes sem conta e falando coisas desconexas e belas – êxtase, transe, poesia. O sol de mim vasculha a madrugada vem de girassóis encharcado o cheiro de mato pra mim meu bichinho bonito vem comigo nesse campo de estrelas as flores na minha cara a carne nas minhas pétalas macias gardênia solitária vem meu pelo no teu mamilo minha boca tua boca saliva mel a tua mão na minha luz vem meu veleiro o mar revolto porto vem... Gravei essas palavras sem o consentimento dela; eram mais de 15 minutos de delírio. Quando mostrei-lhe, num acesso de fúria, quebrou o gravador e fez o mais destruidor discurso que uma mulher, dona de sua privacidade e de sua poesia, faria – e nunca mais me olhou nos olhos. Tantas vezes repeti aquela fita, que ainda ouço Romana gemendo gozos e murmurando pássaros nas madrugadas da minha devastação.