Amigos do Fingidor

terça-feira, 14 de março de 2017

Foi jogar futebol...



Pedro Lucas Lindoso

Dizem que há duas grandes torcidas no Brasil. A torcida do Flamengo e a dos antiflamenguistas. Seu Nonato, vascaíno fervoroso, fazia parte desta última. Além de vascaíno fanático, era um conhecido e assumido antiflamengo.
Raimundo Nonato de Souza Matos, seu Nonato, faleceu recentemente, deixando condoídos e saudosos os advogados, juízes e servidores do Fórum Trabalhista de Manaus.
Conhecia seu Nonato há mais de uma década. Desde que retornei à Manaus. Uma figura, seu Nonato. Vendeu cafezinho pelos andares do fórum por décadas. Um privilégio renovado constantemente. Seu acesso ao fórum foi sempre assegurado e defendido a unhas e dentes, não sei se pela Associação dos Advogados Trabalhistas ou pela Associação dos Juízes Trabalhistas. Provavelmente por ambas. O fato é que nenhuma administração do fórum, nesses anos todos, ousou proibir a entrada de seu Nonato. Ele sempre portando sua trinca de robustas garrafas térmicas. Nonato foi responsável por décadas por um dos cafezinhos mais prestigiados da Justiça amazonense. 
Penso que por muito tempo, provavelmente desde o século passado, pagava-se R$0,50 pelo copinho. Foi reajustado há cerca de dois anos para R$1,00. Ninguém reclamou ou boicotou o seu Nonato. Um reajuste de 100%, era verdade. Mas o preço ficara congelado anos e anos, até por uma questão de troco. Atitude sábia não observada pela Prefeitura que recentemente aumentou o preço do ônibus abrindo uma polêmica sem fim pelos vinte centavos quebrados.
Seu Nonato não vendia fiado. Abria-se uma conta e ele anotava o saldo numa exatidão tão ou mais precisa que o balancete do Clube das Mães de Educandos. Todos confiavam sem embargos. E que café gostoso! Café brasileiro. Café bom. Feito no coador de pano.
Quando ele me dizia: “esse é o último, doutor”. Imediatamente renovava meu crédito. R$10,00 reais valiam vinte cafezinhos, depois somente dez. Um aumento mais que justo, justíssimo.
Nonato gostava muito de futebol. Estava geralmente com a camisa do Vasco. Mas vestia camisa de outros times. Menos a do Flamengo. Jamais. ”Do urubu, não”. Dizia ele. Os advogados presenteavam seu Nonato com camisas de times. Eu mesmo dei a ele uma do Brasiliense.
Poucos sabem, mas Nonato foi jogador profissional no Recife. Era pernambucano. Na década de sessenta foi titular do Santa Cruz.
É certo que não existe justiça trabalhista no céu. Mas com certeza tem futebol. Não tem mais cafezinho gostoso no Fórum Trabalhista de Manaus.
Nonato foi jogar futebol no céu.