Pedro Lucas Lindoso
Dizem que há duas grandes
torcidas no Brasil. A torcida do Flamengo e a dos antiflamenguistas. Seu
Nonato, vascaíno fervoroso, fazia parte desta última. Além de vascaíno
fanático, era um conhecido e assumido antiflamengo.
Raimundo Nonato de Souza
Matos, seu Nonato, faleceu recentemente, deixando condoídos e saudosos os
advogados, juízes e servidores do Fórum Trabalhista de Manaus.
Conhecia seu Nonato há mais de
uma década. Desde que retornei à Manaus. Uma figura, seu Nonato. Vendeu
cafezinho pelos andares do fórum por décadas. Um privilégio renovado
constantemente. Seu acesso ao fórum foi sempre assegurado e defendido a unhas e
dentes, não sei se pela Associação dos Advogados Trabalhistas ou pela
Associação dos Juízes Trabalhistas. Provavelmente por ambas. O fato é que
nenhuma administração do fórum, nesses anos todos, ousou proibir a entrada de seu
Nonato. Ele sempre portando sua trinca de robustas garrafas térmicas. Nonato
foi responsável por décadas por um dos cafezinhos mais prestigiados da Justiça
amazonense.
Penso que por muito tempo,
provavelmente desde o século passado, pagava-se R$0,50 pelo copinho. Foi
reajustado há cerca de dois anos para R$1,00. Ninguém reclamou ou boicotou o
seu Nonato. Um reajuste de 100%, era verdade. Mas o preço ficara congelado anos
e anos, até por uma questão de troco. Atitude sábia não observada pela
Prefeitura que recentemente aumentou o preço do ônibus abrindo uma polêmica sem
fim pelos vinte centavos quebrados.
Seu Nonato não vendia fiado.
Abria-se uma conta e ele anotava o saldo numa exatidão tão ou mais precisa que
o balancete do Clube das Mães de Educandos. Todos confiavam sem embargos. E que
café gostoso! Café brasileiro. Café bom. Feito no coador de pano.
Quando ele me dizia: “esse é o
último, doutor”. Imediatamente renovava meu crédito. R$10,00 reais valiam vinte
cafezinhos, depois somente dez. Um aumento mais que justo, justíssimo.
Nonato gostava muito de
futebol. Estava geralmente com a camisa do Vasco. Mas vestia camisa de outros
times. Menos a do Flamengo. Jamais. ”Do urubu, não”. Dizia ele. Os advogados
presenteavam seu Nonato com camisas de times. Eu mesmo dei a ele uma do Brasiliense.
Poucos sabem, mas Nonato foi
jogador profissional no Recife. Era pernambucano. Na década de sessenta foi
titular do Santa Cruz.
É certo que não existe justiça
trabalhista no céu. Mas com certeza tem futebol. Não tem mais cafezinho gostoso
no Fórum Trabalhista de Manaus.
Nonato foi jogar futebol no
céu.