Amigos do Fingidor

terça-feira, 19 de maio de 2009

Domingo de Páscoa em Cuzco
Marco Adolfs
O cronista, com a Iglesia La Compañia ao fundo.

No Domingo de Páscoa acordei bem cedo e resolvi ir até à Plaza de Armas, lugar em Cuzco onde tudo acontece. Afinal, pensei, as belas igrejas que em dias comuns são caras para demais para se visitar, poderiam estar abertas ao público em geral e assim eu economizaria alguns soles. Mas qual foi minha surpresa ao perceber que esses templos, em qualquer das Américas, ultimamente só estão servindo para arrecadar dinheiro. Se você quiser ver as maravilhas da colonização religiosa espanhola tem que pagar mesmo. E pagar caro! Pois os mercadores de almas postam-se às portas e só as abrem se você tiver bastantes soles para pagar. É assim em Cuzco. Não basta ter fé, tem que ter soles...ou, de preferência, dólares.

Portanto... Quando cheguei à Plaza de Armas no Domingo de Páscoa, não só as igrejas estavam cerradas a qualquer visitação, como a missa do dia estava sendo rezada na rua, em frente a praça. Com as “autoridades” cuzqueñas postadas em uma grande mesa de frente para as centenas de humildes andinos que estavam mesmo a fim de alguma “propinita” de algum escritor deslumbrado disfarçado de turista. Paguei cinco soles para tirar uma foto com um bando de meninas fantasiadas de camponesas dos Andes.

Mas, resignado de que tinha de me render ao turismo e suas seqüelas, sentei-me, sob a pressão de mais de 3.000 metros de altitude em uma calçada e comecei a observar o povo pra lá e pra cá... Foi quando, repentinamente, escutei o que me parecia ser um protesto revolucionário dos anos 60. Uma voz tonitruante, lembrando vagamente a de Fidel Castro, reverberava na Plaza de Armas de Cuzco. Pensei em me proteger do possível tiroteio que haveria, quando percebi ser apenas o discurso inflamado de um bêbado amanhecido. Sintam o cenário: um bêbado, sua mulher também de porre e uma “criança cor de romã” de seus cinco anos aproximados, a filha do bêbado.

– Hijos de una p...!!! – gritava o bêbado, xingando corajosamente uma viatura policial postada em uma esquina. – Corruptos!!! Maricones governamentales!!! Atirem en mi pecho se tiene coraje!!! – desandava o infeliz, abrindo o primeiro ato do que parecia uma tragicomédia sul-americana.

Fiquei olhando aquela cena e esperando o que não aconteceu. Os policiais não moveram um dedo para prender aquele homem que os xingava desarvoradamente. O único gesto de tomada de consciência partia da pequenina criança cor de romã, que com sua mãozinha direita, tentava inutilmente dar uma palmada simbólica no pai, na tentativa de contê-lo.

O mais estranho foi os policiais não prendê-lo. Mas, fiquei pensando com os meus botões, era Domingo de Páscoa na Plaza de Armas de Cuzco, e, quem bebe muita chicha, bebida alcoólica dos tempos dos incas e feita de milho fermentado, pode ficar assim mesmo: como outro ilustre desconhecido cuzqueño, que estava bem ali na minha frente, combalido em um banco da mesma Plaza de Armas, naquele inusitado Domingo de Páscoa em Cuzco.

Sob o efeito da chicha.

Fotos: tem sempre alguém por perto pra tirar.