Benayas Inácio Pereira
Em uma determinada casa numa determinada rua de Manaus, todas as sextas-feiras, uns amigos se reúnem para tomar um chazinho. Trata-se de uma casa velha, cercada de miríades faculdades. Em razão disso, a avenida se engalana para receber os futuros “doutores”, que ora dividem os estudos com a amizade que existe entre eles, mas as fofocas são o alvo maior. Os carros se aglomeram em fila dupla e tripla. Nessa via festiva, os vaivéns provocados pelos estudantes, os altos decibéis produzidos pelos carros de boa potência e o buzinaço ensurdecedor fazem com que ela se transforme num verdadeiro pandemônio, bem diferente dos finais de semana, quando o silencio impera.
Pois é exatamente em meio a tudo isso que os velhos amigos da velha casa se reúnem. Alheio a todo aquele tumulto, entre salgadinhos e chazinhos “envelhecidos” de 8 a 12 anos, eles passam algumas horas jogando conversa fora. Como todos são gente fina, o horário é meio controlado. A reunião se inicia bem cedo (por volta da 17h) e, logicamente, não termina muito tarde. O número de componentes não é assim tão grande. Também não é relevante assim, pois a reunião prima pela qualidade e não pela quantidade dos componentes. O número de pessoas dificilmente passa de dez.
Esse encontro semanal tem o sugestivo nome de Chá do Armando. É claro que, com receio de omitir nomes, não vou dizer quem frequenta a casa velha do artista plástico, poeta, escritor, ensaísta e acima de tudo uma pessoa de coração aberto, o acadêmico Anísio Mello. Uma vez, porém, que eu já perdi o medo, digo que os imortais Almir Diniz, Luiz Bacellar, Zemaria Pinto e, quando em Manaus, Jorge Tufic, além de o nosso sempre querido mestre Armando de Menezes, que dá nome ao encontro, são habitués dessas efemérides.
Ainda fazendo parte desta turma da pesada, o historiador Roberto Mendonça, o poeta Sérgio Luiz Pereira, o pesquisador Nonato Braga, o sexo-humorista Simão Pessoa e o músico e compositor Mauri Marques sempre marcam presença, além de um e outro personagem não menos importante que aparece quando lhe dá na veneta – como os músicos Rossini Lima e Nato Neto e o poetator Dori Carvalho.
Outro ângulo do Chá, com o cigarrro politicamente incorreto de Sérgio Luiz Pereira em primeiro plano.
Nunca vi fechada a porta dessa velha casa. Ela está sempre aberta para receber as pessoas de bem.
Entendo que a curiosidade mata o rato e o peixe, mas se quiserem saber quais os assuntos mais abordados, posso adiantar que ali se respira principalmente a arte; todavia, a semente da acerola, os últimos acontecimentos mundiais, a música, a poesia, o cinema, o meio ambiente, a literatura, o jaraqui e o matrinxã são exaustivamente citados.
Nada disso importa, porém. O que é mais relevante nesses encontros é a curtição da amizade que cada membro dessa sociedade única carrega dentro de si. É o amor que se cultiva, mas de uma forma singular, terna, onde ele é dourado por todos, simultaneamente, formando uma redoma onde a maldade dá lugar à brandura e a inveja é pura utopia. O Chá do Armando não é restrito somente às pessoas do sexo masculino. Esposas e convidadas também comparecem e são sempre bem-vindas.
O viajado poeta Almir Diniz não se cansa de dizer que em lugar algum ele viu tanta irmandade junta. É verdade: ali conseguimos esquecer, nem que seja por algumas horas, as agruras que a vida pode nos reservar.
Sem receio de apelar para a pieguice, confesso que por muitas vezes, durante essas reuniões, observei uma aura vagando pela sala onde nos encontramos. Ela é toda branquinha, em forma de fumaça. Entra sorrateiramente sem que ninguém a note e passeia alegremente pelas cabeças dos presentes.
Anísio Mello, nosso querido anfitrião, acha que a semana deveria ter mais sextas-feiras. Acho que o Anísio tem razão. Eu, que há algum tempo fui brindado pelos deuses ao ser convidado a participar dessas reuniões, corroboro com essa opinião.
E cá com os meus botões fico a pensar: que bom se todos os dias fossem sextas-feiras...
(Fotos de Roberto Mendonça)