Amigos do Fingidor

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A flor de Coleridge
Inácio Oliveira

Se um homem atravessasse o Paraíso em um sonho e lhe dessem uma flor como prova de que estivera ali, e ao acordar encontrasse essa flor em sua mão... O que pensar?
Samuel Taylor Coleridge

Um homem procura uma mulher por entre a multidão. Ana, seu nome. Sonhou com ela em uma noite de verão. Este sonho está a corromper sua realidade. Ao atravessar o longo jardim entre a cama e o infinito ela colhe uma flor e a entrega em suas mãos, que ele não sabe nem como tocá-la. Estrelas caindo bem devagar. Medo de acordar de repente. Qualquer erro pode ser fatal, qualquer palavra pronunciada em vão, qualquer gesto, qualquer barulho lá fora e... O mundo é tão frágil e a vida cheia de sonhos difíceis. Bem que este podia durar para sempre. Para sempre é uma palavra que nos foi negada, isto é fala de Ana que sabe que pode acordar a qualquer momento. Rápido o tempo escoa, já quase amanhece. No sonho amanhece de uma forma inversa, as imagens cada vez menos nítidas a consumir-se na sombra. Talvez fosse possível um carinho, mas tão devagar que não fizesse despertar. Mãos distraídas tocam o abajur que balança a lua e acorda os pássaros. Quando eu amanhã acordar vou procurar você, vou te reconhecer por este cheiro de acácias em suspensão. Ana sorri, quase desaparece entre as árvores ao se virar na cama. Vai nada, a gente nunca lembra desses sonhos direito. Juro que vou, vou te procurar por todos os lugares. Mãos avulsas batem à porta, os pássaros se afastam, as árvores desaparecem e Ana vai sumindo sumindo como um lento poente de outono. E nas noites de muito frio e vento é possível ver um homem com inútil cuidado a carregar uma flor na lapela por entre a multidão.