Inácio Oliveira
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A noite quando sonhava com ela o velho chorava na cama. Sozinho como um deus, pequeno como um verme. Lembrava-se de quando a vira naquele dia, ele era como o homem que vê o mar pela primeira vez e ela parecia uma manhã de feriado. Apaixonou-se e apaixonar-se era uma forma de não morrer tão depressa demais. Esses dias eram azuis assim como o oceano e o céu. Quando ela tirava a roupa, sua pele de campo lavrado brilhava sob a meia-luz do quarto e ele a amava como uma força precisa, assim como um artesão em seu ofício. Toda vez que ele olhava para ela era como se não a visse há muito tempo, mas a conhecesse desde sempre, então ele sentia-se renovado. Percebia, talvez tarde demais, que as mulheres tinham algo de se fazerem entender sem dizer nada, de receber sem nada pedir, de castigar sem suplício. Perdição do velho era aquela boca de morango partido ao meio. Ele era calmo e bom, necessário para aquela pequena paz na vida de moça perdida. Mas o tempo não os perdoava, ficavam cada vez mais distantes que se um dos dois estendesse o braço talvez não fosse possível nem tocar. As vezes ela sentia o seu cheiro de objeto guardado, virava para o lado e pensava em homens jovens e fortes. Houve dias em que o amor não era possível. Olhando por um longo tempo o teto do quarto ele pensava que a vida era triste. Chegou um dia, que talvez já estivesse marcado em algum lugar, dia em que ela saiu de repente e não voltou nunca mais. O velho errava pelas ruas vazias até quando a tarde o abandonava em um bar qualquer. Ele voltava sozinho para casa. As noites eram grandes e grotescas. Para um homem velho e abandonado, há sempre uma hora antes do amanhecer em que ele viaja ao inferno, talvez não goste de lá, mas passeia pelos seus abismos.