Inácio Oliveira
.
Aquarela e pincel nas mãos. Fazia alguns minutos que ele estava diante da tela em branco. O opressivo e misterioso branco que era ao mesmo tempo ausência e presença de cor, antes uma confusão de todas as cores. Para ele o branco era sempre uma paisagem esperando acontecer, mas agora sentia-se incapaz de erguer o braço para atacar ou defender-se da tela. O pintor considerou esboçar o corpo de uma mulher que já havia amado um dia. Olhos turvados de lembranças antigas...
__#__
Naquela noite ela disse: tu queres – e afrouxou o laço que prendia o vestido às costas. O vestido caiu no chão e eles então inauguravam a palavra amor.
__#__
O silêncio pesado do mundo sobre o ateliê vazio. O pintor se permitiu dar uma pincelada rápida na tela, algo assim: vazio, oblíquo, desprovido de sentido. Ficou olhando o traço se perder na imensidão branca. Depois cobriu a tela como se assim encobrisse um crime.
Voltou para a varanda. Acendeu um cigarro. Quis esquecer a tela, mas ela era agora algo mutante que perturbava a sua paz. Quando a primeira pincelada ferisse o branco já era tarde demais, tudo estava perdido, impossível voltar atrás, apagar com o diluente. A tela era um mundo em gestação, um agonizante parto que lhe doía. O pintor era forçado a reconciliar-se consigo mesmo para humildemente submeter-se outra vez à tela, agora não mais em branco. Uma terrível pincelada que inundava toda a sua vida.
Lembrava-se do conselho de um velho mestre da pintura: desista, desista enquanto é tempo, antes que seja tarde demais, mas se já estiver naquele estágio em que nada mais se pode fazer, aceite seu destino com humildade e sacrifício.
Naquela noite ele não conseguiu dormir. Pincelou ao acaso algo que parecia ser o corpo de uma mulher.