Amigos do Fingidor

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Caridade cristã

João Bosco Botelho



O conjunto político que amparou os primeiros hospitais como instituições assistenciais consolidou as bases nas decisões elaboradas no Concílio de Trento no século XVI. Entre as mais importantes estava a unção dos enfermos como sacramento e a participação dos homens e das mulheres na graça santificante. Graças a esse Concílio, a autorização eclesiástica foi formalizada para que todos exercitassem a caridade, garantindo o acesso ao Reino de Deus aos seus praticantes. Os povos cristãos encontraram na abertura conciliar a argumentação para justificar uma postura de amparo aos enfermos e necessitados.

As organizações de solidariedade mútua, irmandades e confrarias se multiplicaram em centenas na Europa. Todas procuravam cumprir recomendações conciliares na ajuda caritativa dos desgraçados e amparo aos doentes.

Na assistência aos doentes, existiam duas opções: atender os doentes individualmente ou agrupá-los em lugares determinados, que ficaram conhecidos como “Xenodochium pauperum, debilium et infirmorum” (Hospital dos pobres, dos fracos e dos enfermos). A alternativa hospitalar para expressar a caridade acabou prevalecendo e várias irmandades foram organizadas para administrá-los. As ordens dos Hospitalários de São João, dos Antoninos e do Espírito Santo foram as que mais se destacaram.

Não se deve estranhar que o pano de fundo das albergarias-hospitais tenha sido também a obtenção de vantagens pessoais, financeiras e políticas por seus dirigentes. Essa afirmação ganha suporte no fato de que D. Pedro, em 1420, escreveu ao seu irmão D. Duarte, sugerindo a intervenção real na administração das hospedarias, como alternativa para reabilitar a debilitada economia do reino.

A Igreja e o Estado passaram a disputar esse filão inesgotável de recursos que a caridade passou a representar. As ordens religiosas devem ter sido mais ágeis para dirigir o produto monetário da caridade aos cofres eclesiásticos, a ponto de a situação ter ficado insustentável, causando prejuízo à arrecadação do reino. A reação foi imediata. Por ordem de D. Duarte e publicada nas Ordenações Alfonsinas de 1446, foi decretada a interdição real nas albergarias, determinando que todos os legados doados às irmandades deveriam passar pelas cortes civis e não mais pelos tribunais religiosos.

Em 1479, por meio da Bula de Xisto IV (1471 - 1484), o rei foi autorizado a organizar hospital único nas principais cidades, unindo a administração real às ordens religiosas hospitalares. Esse conjunto administrativo formou os alicerces das futuras Santas Casas, geridas no reino português, da Ásia às Américas.