Amigos do Fingidor

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Gabriel saiu para almoçar 2/15

Marco Adolfs

 
...Assim vivia Gabriel Sombra, o velho ranzinza e taciturno que circulava pela cidade de Manaus com um colete que muito lhe caracterizava a figura eremita de poeta das metáforas luminosas. Ultimamente, sem muito que fazer em matéria de poesia, já que para o seu entendimento ele as escrevera todas, Gabriel vinha escrevendo um ensaio em segredo absoluto de todos. Dizia a si mesmo que era o seu testamento, a ser deixado “para esses cretinos todos lerem, quando eu me for”. E sobre o que versava esse ensaio? Sobre a cegueira? Ou a tristeza metafísica? Ou mesmo sobre a ignorância dos homens e mulheres deste mundo? Não. O ensaio de Gabriel Sombra versava justamente sobre aquilo que mais lhe incomodava a alma durante esses domingos: a solidão. Um ensaio sobre a solidão; que ele, desde cedo, sempre compreendera bem ser a grande condição emocional de homens e mulheres deste planeta. Quase uma doença de que todos deveriam fugir, mas que ele, em sua resignação estóica e devidamente adaptada pelas circunstâncias da vida – embora a sentisse doer bastante naqueles domingos de extremo vazio –, passara a adotar como inevitável. Já que ela o açodava de vez em quando; já que os amigos e inimigos haviam sumido do seu horizonte de relações sociais; já que ela era sua condição mais humana e presente desses seus últimos dias na face da Terra, escreveria então sobre ela. Como um testamento perante Deus e os homens. Como uma vingança “contra e a favor da cretinice”.