Amigos do Fingidor

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Gabriel saiu para almoçar 4/15

Marco Adolfs



...Gabriel Sombra, o velho poeta solitário, quase teve vontade de chorar nesse momento, ao perceber o quanto a sua escolha pela solidão criativa não lhe trouxera tanto sofrimento assim. Talvez nenhum, já que graças a ela conseguira escrever seus poemas metafóricos e lera quase todos os livros e revistas do mundo. Só não pintou ou compôs uma partitura de música clássica por que não tivera o tempo e a vontade para essas escolhas. Foi quando pensou e colocou no papel o fato absoluto e comprovado de que a solidão criativa não traz sofrimento. Que ela é uma escolha para a expressão livre desse aspecto constitutivo. Neste contexto, é a expressão da nossa unicidade como criadores. Sombra então lembrou o que disse o filósofo alemão Schopenhauer em um de seus livros, agora jogado e esquecido em um monturo no canto do seu atulhado quarto, “a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais”. Nada de pensar em sofrimento, por causa dessa tal de solidão, no caso de a usarmos para criar. Se nós sofremos com a solidão, pelo simples fato de que ela nos obriga a demonstrar o quanto necessitamos de outra pessoa, isso se deve mais ao sentimento atávico de termos que sobreviver em grupo. Uma coisa meio que primitiva. Pensou então Gabriel que a solidão está presente, porque o contexto a obriga a existir como tal. Se os fins de tarde e os domingos, continuou a pensar e a escrever Sombra, são esses momentos em que o mundo ao nosso redor fica vazio, aparece-nos o sentido de que não temos ninguém para nos ajudar em caso de perigo. O mundo caótico dos dias úteis que repentinamente ficou desocupado nos remete a essa solidão atávica. “É esse o momento então de contato, pode-se dizer, mais íntimo com a solidão”, escreveu o poeta. Momentos em que se entra em entendimento ou não com o próprio eu e o que fazer com ele. E o desejo atávico de comunicar-se com o mundo de fora da caverna. “Sair da caverna existencial e observar as sombras que circulam ao redor”, escreveu com mais ênfase, Gabriel Sombra...