Amigos do Fingidor

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A medicina no Brasil colonial holandês

João Bosco Botelho



O domínio militar holandês em Pernambuco, no século XVII, possibilitou o encontro em terras brasileiras de Maurício de Nassau, o administrador intelectual, e o médico Guilherme Piso. Piso nasceu em Leyden (Holanda), em 1611 e diplomou-se em Medicina em Caen (França), em 1633. Ele chegou ao Brasil, em 1637, e ocupou a chefia dos Serviços Médicos das Índias ocidentais. Permaneceu em Pernambuco sete anos e durante esse período coletou material e fez inigualáveis observações que culminaram na elaboração dos seus dois livros. Retornou à Holanda, em 1644, tendo exercido a prática médica, em Amsterdã, até 1678, quando morreu.

Antes da conquista holandesa, a Medicina colonial brasileira estava exclusivamente atrelada às farmácias dos jesuítas. As famosas fórmulas mágicas desses religiosos estavam indicadas para todas as doenças, inclusive dirigidas ao desespero de algumas famílias, com o “cozimento para a virgindade perdida”, do Irmão Boticário Manoel de Carvalho. Por outro lado, a interferência do poder eclesiástico sobre os governadores era tão intensa que, em 1707, D. Sebastião Monteiro ordenou que os poucos médicos da corte não tratassem os doentes que não se confessassem e comungassem.

Com a nova diretriz imposta por Piso foi possível reunir, no hospital do Forte de São Jorge, vários médicos e cirurgiões-barbeiros, alguns judeus fugidos das acusações da Contrarreforma promovida pela Igreja na Europa. Entre os atendimentos médicos, Guilherme Piso tomou conhecimento da Medicina indígena e, de modo genial, comprovou que ela curava mais que as amputações indicadas pelos cirurgiões-barbeiros.

No seu livro “História Natural do Brasil”, descreveu várias doenças infecciosas. No capítulo “Das lombrigas”, identificou corretamente o Ascaris e o Enterobius, dois dos parasitos intestinais mais comuns no Brasil, afirmando que poderiam ser encontrados no estômago, vesícula biliar e coração, caracterizando de forma incontestável que também realizava necropsias, na mesma época em que, na Europa cristianizada, essa prática era absolutamente proibida.

O grande professor de Guilherme Piso foi o Pajé com os conhecimentos acumulados ao longo dos séculos. O médico holandês reconheceu, em diversas passagens do seu livro, a superioridade dos remédios indígenas sobre os prescritos pelos médicos europeus: “Os índios prescindem de laboratórios, ademais, sempre têm a mão sucos verdes e frescos de ervas. Enjeitam os remédios compostos de vários ingredientes, preferem os mais simples”.

Ilustração: capa do livro de Guilherme Piso.