Amigos do Fingidor

domingo, 30 de janeiro de 2011

O poder da nudez na arte da performance (Uma abordagem do trabalho de Regina José Galindo)

Jorge Bandeira


Poucos são os artistas que buscam pela nudez o espelhamento necessário da sociedade, enxergando as possibilidades de ter em seu corpo nu uma ferramenta além do banal já tão desgastado, especialmente quando se interpõe à nudez o elemento do choque ou agressão aos espectadores. Regina José Galindo vem no sentido contrário dessas manifestações um tanto quanto agressivas, mas que no seu conceito estético acabam por se tornar efêmeras, e muitas das vezes se tornam instrumentos de repulsa pura e simples, mas sem alcance maior de conscientização de um espectador que observa um corpo nu em seu estado estético e lúdico.

A nudez extremamente planejada de Galindo nos insere em diversos contextos, com bases políticas, filosóficas, existenciais, culturais etc. A cultura perpetrada por essa artista natural da Guatemala é de nos deixar felizes, nós que temos no Naturismo uma prática saudável de convivência. Lembro que a PETA, que trata dos maus tratos aos animais, via indústria de alimentos, cosméticos e da moda, utiliza a nudez como fator reflexivo e de grande poder de visualização nestes tempos. Galindo é uma artista solitária na maioria de suas intervenções, mas é claro que, nos bastidores, sua equipe, liderada por seu marido, dá conta do recado de planejar tudo a contento para que nada dê errado.

Nudez com propriedade impressionante, seja num momento de calmaria ou de tempestade. Curioso notar que não existe uma inércia nesta arte da performance de Regina Galindo, ela pode estar imóvel, mas ao redor o brainstorming (tempestade de cérebros) converge para sua obra. Galindo nua na cama, grávida, pernas abertas, amarrada, protestando contra os estupros. Galindo sofre intervenção cirúrgica para “tornar-se” virgem novamente, zombando, assim, do preceito machista da virgindade como imagem imaculada de um determinado caráter. Galindo nua, numa encosta, encolhida, ao seu redor, sua urina. Imagem forte, linda, inquietante. Galindo deitada numa cama, esperando seu “príncipe azul”, com apenas uma abertura no lençol, exatamente onde é sua vagina, que é a única coisa que aparece. O Príncipe azul só a quer possuir, e depois, dar o fora. Já vimos isso muitas vezes. A nudez desta performer é de uma singeleza e capacidade de comunicar, de ter seu corpo a nosso alcance e além, que ficamos irmanados com a nudez da artista, com a verdade que ela consegue nos transmitir. Força de uma mulher, talvez a mais autêntica artista desta arte da performance, muito em voga neste começo de século XXI, especialmente com a insurgência do Teatro pós-dramático.

Um outro aspecto da obra de Regina Galindo que muito chama a atenção deste crítico de arte é a simplicidade de suas ações, a limpeza de suas ideias e a colocação de sua nudez realmente de forma natural. Ela escapa do exibicionismo de maneira tão elegante, tão singular, que temos a impressão que sua obra é determinante para termos um foco mais delicado às questões que envolvem a nudez em nossas vidas. Este um valor preponderante para todos nós, naturistas ou artistas que prezam por uma coletividade realmente que nos comova, que leve aos outros nossas mensagem da nudez como base natural de toda convivência, uma nudez perseguida por muitos, mas nudez sem roupagens desnecessárias.

Lembrem que a mulher nua da capa das revistas masculinas não está nua, ela está vestida até o pescoço de pensamentos conservadores, de revanchismos e machismos, de ismos que não têm fim. Nudez para Galindo é pensar, não é enxergar. Ela já demonstrou isso numa performance com cegos. Nudez para Galindo é pensar a condição de escrava do sexo da mulher, nesta e em todas as épocas.

A libertação verdadeira da mulher só será possível quando ela, inteiramente nua, passar sem ser percebida com olhos carnívoros pelos homens. O sonho de Regina Galindo perfaz este percurso de libertação da mulher. É um tapa na cara dos “naturistas” que povoam muitos locais, naturistas ocasionais, que estão naturistas apenas para vislumbrar os corpos nus com desejos masturbatórios ou de perversão, ou de sexo, puramente. Máscaras caem automaticamente com a força desta arte de Galindo, uma artista além de nosso tempo, ou melhor, que consegue visualizar o nosso tempo apenas com a força de sua nudez. Algo deveras impressionante. Para conhecer o trabalho de Regina José Galindo, com textos e fotos de todas as suas performances excelentes e comoventes, acesse em : http://www.reginajosegalindo.com/  


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