Zemaria Pinto
Kelly
Branca
de leite, volumosa de ancas e peitos, olhos amendoados moldados em breu sob a
basta cabeleira negra, Kelly trabalhava num restaurante próximo ao banco, onde
eu almoçava algumas vezes por semana. Observava de longe seu comportamento
expansivo, sorridente, brincalhão. Um dia, perguntei-lhe por que comigo se
fechava, séria. Disse que tinha medo de uma reação negativa, pois eu parecia
estar sempre com raiva. A resposta saiu num estalo – mas eu não mordo, a não
ser que você peça muito. Ela explodiu numa gargalhada, que ecoou estridente no
pequeno salão. Casada, mãe de dois pequeninos, os encontros com Kelly exigiam
uma logística complicada, antes do expediente – o marido a deixava e a buscava
no trabalho, de sorte que, uma vez por semana, ela chegava mais cedo, não sei
exatamente com qual desculpa, e dava uma escapulida a um hotel próximo, onde eu
a aguardava. Kelly queixava-se que o marido só fazia papai-e-mamãe, pois, de
resto, todo o repertório sensual era coisa de puta. Então, só para mim, Kelly
vestia a fantasia de puta e, a cada encontro, parecia querer recuperar todo o
tempo perdido.
(Continua no blog Poesia na Alcova)