Amigos do Fingidor

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Lábios que beijei 61


Zemaria Pinto
Kelly

Branca de leite, volumosa de ancas e peitos, olhos amendoados moldados em breu sob a basta cabeleira negra, Kelly trabalhava num restaurante próximo ao banco, onde eu almoçava algumas vezes por semana. Observava de longe seu comportamento expansivo, sorridente, brincalhão. Um dia, perguntei-lhe por que comigo se fechava, séria. Disse que tinha medo de uma reação negativa, pois eu parecia estar sempre com raiva. A resposta saiu num estalo – mas eu não mordo, a não ser que você peça muito. Ela explodiu numa gargalhada, que ecoou estridente no pequeno salão. Casada, mãe de dois pequeninos, os encontros com Kelly exigiam uma logística complicada, antes do expediente – o marido a deixava e a buscava no trabalho, de sorte que, uma vez por semana, ela chegava mais cedo, não sei exatamente com qual desculpa, e dava uma escapulida a um hotel próximo, onde eu a aguardava. Kelly queixava-se que o marido só fazia papai-e-mamãe, pois, de resto, todo o repertório sensual era coisa de puta. Então, só para mim, Kelly vestia a fantasia de puta e, a cada encontro, parecia querer recuperar todo o tempo perdido.


(Continua no blog Poesia na Alcova)