David Almeida
A partir da nossa existência nesse terceiro planeta do
sistema solar, chamado Terra, vivemos sempre esperando alguma coisa. A vida é
uma corrida, vivida na realidade, sobre a autopista de uma longa espera.
Era o início do mês de junho e nos preparávamos – como todo
amazonense que gosta do boi-bumbá – para ir ao Festival de Parintins; esquecer
um pouco as cores, tão desbotadas do pendão do nosso País e esperar chegar o
dia, para levantar as bandeiras coloridas, altivas, impolutas, retumbantes e
tão amadas dos dois bois, que fazem o Festival de Parintins ser reconhecido no
mundo inteiro.
Com as ondas cerebrais já surfando no balanço ritmado do “dois
pra lá, dois pra cá”, esperávamos o dia de entrar no barco e sentir a brisa
leve acariciar o corpo, deixando essa alegria colorida bater na alma, nos
impulsionar a singrar os caminhos dos rebojos e dos remansos, balançando,
“banzeirando” de “bubuia” por sobre as águas desse majestoso rio, ao encontro
da ilha dos grandes rituais; sob as batutas de lendárias criaturas; seres
encantados da selva, que em três dia aparecem, saem de seus mundos, mostrando
um espetáculo sobrenatural do místico universo de sua natureza.
A ansiedade e a expectativa se misturavam no tempo dessa
espera e a conversa se mostrava o tempo inteiro no âmbito do folclore bovino:
nas ruas, nas esquinas, nos bares de Manaus, por onde passávamos a pauta era a
festa na ilha dos tupinambás e a pergunta logo era feita: quem vai ao Festival
de Parintins? Alguns respondiam afirmativamente outros tiravam sarro dizendo
que esse negócio de boi é pra quem tem chifre.
Nessa espera pela chegada do dia da partida, encontramos
visitando Manaus um amigo nosso de Parintins, o ex-vereador Messias de Medeiros
Cursino, que nos cumprimentou, nos abraçou, e depois de um bate papo bacana
comentamos a nossa ida ao Festival de Parintins. Messias ficou eufórico, alegre
e logo nos convidou para assim que chegássemos à cidade, ir direto para sua
casa, pois iria preparar, de todas as maneiras possíveis, nada mais nada menos
que o nosso saboroso e pré-histórico BODÓ.
Pois bem, a espera terminou, o dia tão esperado da nossa
partida chegou; era verdade, o barco estava ali, ancorado na Manaus Moderna,
também a nossa espera: colorido, bonito, majestoso, sorridente e com o som bem
alto no ritmo das toadas, dando assim o tom e o toque de como o coração deveria
pulsar.
Já com a “baladeira” espichada no convés do barco, a corrida
era rumo ao bar na área de lazer e degustar uma cerveja bem gelada, refrescando
o calor com a brisa batendo no corpo massageando a alma e deixando pra trás,
cada vez mais, a nossa querida Manaus. Seguimos viagem, numa alegria
contagiante com as músicas de Caprichoso e Garantido avermelhando e azulando
nossas almas.
Chegamos a ilha, mais ou menos, às 13 horas do outro dia,
fomos logo subindo a ribanceira para no primeiro boteco dar continuidade ao que
tínhamos começado ontem. Lá pelas tantas (digo, 2 da tarde), de chegança na
área, o compositor parintinense Tote Navegante, que depois dos cumprimentos
básicos nos fala do almoço na casa do Messias... haaaaa, aí a barriga já roncando,
olhamos um pro outro e vamos nessa! Caminhando, cantando e tendo como cicerone
o Tote, seguimos em frente, mas, aqui e ali, o Simão Pessoa se empolgava e
dançava reggae. Eu e minha mulher – agarradinhos – dançávamos forró, o poeta e
escritor Zemaria Pinto dançava axé music, fazendo gesto, como se estivesse
dançando na boquinha da garrafa, e sua parceira, só no carimbó – todos ao som e
ritmo das toadas. Se os compassos eram iguais, não sei, mas tinha gente que
olhava meio esquisito pra turma, esboçando um sorriso antes de seguir em
frente.
Com meia hora de dança, e um calor de fazer inveja a qualquer
“capeta”, suando mais que tampa de chaleira, perguntávamos ao Tote: - tá perto?
E ele respondia: – é bem ali, e apontava com o canto da boca. Bem, pra encurtar
a conversa, depois de dobra pra cá, dobra pra lá, enfim, chegamos na casa do
Messias, ah que maravilha – só que não tinha ninguém, e ficamos que nem aqueles
fieis evangélicos, esperando o Messias chegar, não para julgar os vivos e os
mortos no dia do juízo final, mas para nos ofertar um almoço de boas-vindas,
regado a bodó. Atravessamos a rua e com o calor que fazia, a gente molhado de
suor, o jeito era aportar em outro boteco e enxugar um gelo esperando bodó, mas
o Messias precisava chegar. E haja esperar. E tome cerveja! E eu, vislumbrava
aquela mesa posta, até o tucupi de bodó, parecia que estava ali na minha
frente: caldeirada de bodó; bodó no espeto; bodó à parmegiana; kikão de bodó;
lasca de bodó ao vinho do porto; bodó ao molho madeira (que é o nosso bodó na
lama); farofa de bodó com ovo frito; bodó lombrado (feito com cachaça corote);
bodó recheado com arroz de lula (em homenagem ao bolsa-família); quibe de bodó
com ki-suco de groselha e garapa de cana;
paella de bodó; charuto de bodó à moda iugoslava (prato predileto do
nosso poeta Aníbal Beça); xis-caboquinho de bodó (bodó recheado com tucumã e
pupunha), ...Bem, estávamos com água na boca, vendo miragem, esperando bodó,
mas a fome era tanta que resolvemos dar aquele jeitinho nela – afinal, esperar
é um verbo que o povo Brasileiro sabe conjugar direitinho – e pedimos ao Sr.
que nos atendia, para improvisar um “rango” pra gente... deu nove horas da
noite e continuávamos esperando bodó, todos naquele estado etílico de deixar
qualquer bafômetro em pane. Pedimos a conta: – Mestre, quanto é? Falou, o Simão
Pessoa. Aí ele disse, que tinha dado pouco, era só uma grade de cerveja, cinco
latas de sardinhas, quatro de conservas (boi ralado) e dez ovos fritos, o militos
era cortesia da casa, portanto, tudo ficou por conta de 250 reais. Pagamos! Mas
fiquei imaginando... já pensou? A gente veio pra comer bodó oferecido pelo
Messias e sai com o bucho cheio dessa mistura: sardinha em lata, conserva, ovos
e cerveja? Ave Maria! Mas, também, nem precisava o Messias chegar cheio de
anjinhos tocando corneta numa nuvem bem branquinha. Uma, que não era esse o
momento, bastava um triciclo colorido com um “cabra” pedalando e pronto.
Bom,
já era tarde da noite... bateu o cansaço e fomos para o barco dormir, sonhei
com aquela mesa posta de bodó e eu, literalmente, dentro de uma caldeirada, e
os bodós me beliscando querendo me comer e de repente veio um bodozão pra cima
de mim, com a boca aberta, dei um grito e acordei: cansado, suado, espantado,
com um odor horrível no ar, já era manhã do outro dia e estranhei! Não tinha
ninguém perto da gente. O por que, eu não sei. Só sei que estávamos esperando o
bodó que não veio, e muito menos o Messias.