Amigos do Fingidor

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Esperando bodó e o Messias



David Almeida


A partir da nossa existência nesse terceiro planeta do sistema solar, chamado Terra, vivemos sempre esperando alguma coisa. A vida é uma corrida, vivida na realidade, sobre a autopista de uma longa espera.
Era o início do mês de junho e nos preparávamos – como todo amazonense que gosta do boi-bumbá – para ir ao Festival de Parintins; esquecer um pouco as cores, tão desbotadas do pendão do nosso País e esperar chegar o dia, para levantar as bandeiras coloridas, altivas, impolutas, retumbantes e tão amadas dos dois bois, que fazem o Festival de Parintins ser reconhecido no mundo inteiro.
Com as ondas cerebrais já surfando no balanço ritmado do “dois pra lá, dois pra cá”, esperávamos o dia de entrar no barco e sentir a brisa leve acariciar o corpo, deixando essa alegria colorida bater na alma, nos impulsionar a singrar os caminhos dos rebojos e dos remansos, balançando, “banzeirando” de “bubuia” por sobre as águas desse majestoso rio, ao encontro da ilha dos grandes rituais; sob as batutas de lendárias criaturas; seres encantados da selva, que em três dia aparecem, saem de seus mundos, mostrando um espetáculo sobrenatural do místico universo de sua natureza. 
A ansiedade e a expectativa se misturavam no tempo dessa espera e a conversa se mostrava o tempo inteiro no âmbito do folclore bovino: nas ruas, nas esquinas, nos bares de Manaus, por onde passávamos a pauta era a festa na ilha dos tupinambás e a pergunta logo era feita: quem vai ao Festival de Parintins? Alguns respondiam afirmativamente outros tiravam sarro dizendo que esse negócio de boi é pra quem tem chifre.  
Nessa espera pela chegada do dia da partida, encontramos visitando Manaus um amigo nosso de Parintins, o ex-vereador Messias de Medeiros Cursino, que nos cumprimentou, nos abraçou, e depois de um bate papo bacana comentamos a nossa ida ao Festival de Parintins. Messias ficou eufórico, alegre e logo nos convidou para assim que chegássemos à cidade, ir direto para sua casa, pois iria preparar, de todas as maneiras possíveis, nada mais nada menos que o nosso saboroso e pré-histórico BODÓ.
Pois bem, a espera terminou, o dia tão esperado da nossa partida chegou; era verdade, o barco estava ali, ancorado na Manaus Moderna, também a nossa espera: colorido, bonito, majestoso, sorridente e com o som bem alto no ritmo das toadas, dando assim o tom e o toque de como o coração deveria pulsar. 
Já com a “baladeira” espichada no convés do barco, a corrida era rumo ao bar na área de lazer e degustar uma cerveja bem gelada, refrescando o calor com a brisa batendo no corpo massageando a alma e deixando pra trás, cada vez mais, a nossa querida Manaus. Seguimos viagem, numa alegria contagiante com as músicas de Caprichoso e Garantido avermelhando e azulando nossas almas.
Chegamos a ilha, mais ou menos, às 13 horas do outro dia, fomos logo subindo a ribanceira para no primeiro boteco dar continuidade ao que tínhamos começado ontem. Lá pelas tantas (digo, 2 da tarde), de chegança na área, o compositor parintinense Tote Navegante, que depois dos cumprimentos básicos nos fala do almoço na casa do Messias... haaaaa, aí a barriga já roncando, olhamos um pro outro e vamos nessa! Caminhando, cantando e tendo como cicerone o Tote, seguimos em frente, mas, aqui e ali, o Simão Pessoa se empolgava e dançava reggae. Eu e minha mulher – agarradinhos – dançávamos forró, o poeta e escritor Zemaria Pinto dançava axé music, fazendo gesto, como se estivesse dançando na boquinha da garrafa, e sua parceira, só no carimbó – todos ao som e ritmo das toadas. Se os compassos eram iguais, não sei, mas tinha gente que olhava meio esquisito pra turma, esboçando um sorriso antes de seguir em frente.
Com meia hora de dança, e um calor de fazer inveja a qualquer “capeta”, suando mais que tampa de chaleira, perguntávamos ao Tote: - tá perto? E ele respondia: – é bem ali, e apontava com o canto da boca. Bem, pra encurtar a conversa, depois de dobra pra cá, dobra pra lá, enfim, chegamos na casa do Messias, ah que maravilha – só que não tinha ninguém, e ficamos que nem aqueles fieis evangélicos, esperando o Messias chegar, não para julgar os vivos e os mortos no dia do juízo final, mas para nos ofertar um almoço de boas-vindas, regado a bodó. Atravessamos a rua e com o calor que fazia, a gente molhado de suor, o jeito era aportar em outro boteco e enxugar um gelo esperando bodó, mas o Messias precisava chegar. E haja esperar. E tome cerveja! E eu, vislumbrava aquela mesa posta, até o tucupi de bodó, parecia que estava ali na minha frente: caldeirada de bodó; bodó no espeto; bodó à parmegiana; kikão de bodó; lasca de bodó ao vinho do porto; bodó ao molho madeira (que é o nosso bodó na lama); farofa de bodó com ovo frito; bodó lombrado (feito com cachaça corote); bodó recheado com arroz de lula (em homenagem ao bolsa-família); quibe de bodó com ki-suco de groselha e garapa de cana;  paella de bodó; charuto de bodó à moda iugoslava (prato predileto do nosso poeta Aníbal Beça); xis-caboquinho de bodó (bodó recheado com tucumã e pupunha), ...Bem, estávamos com água na boca, vendo miragem, esperando bodó, mas a fome era tanta que resolvemos dar aquele jeitinho nela – afinal, esperar é um verbo que o povo Brasileiro sabe conjugar direitinho – e pedimos ao Sr. que nos atendia, para improvisar um “rango” pra gente... deu nove horas da noite e continuávamos esperando bodó, todos naquele estado etílico de deixar qualquer bafômetro em pane. Pedimos a conta: – Mestre, quanto é? Falou, o Simão Pessoa. Aí ele disse, que tinha dado pouco, era só uma grade de cerveja, cinco latas de sardinhas, quatro de conservas (boi ralado) e dez ovos fritos, o militos era cortesia da casa, portanto, tudo ficou por conta de 250 reais. Pagamos! Mas fiquei imaginando... já pensou? A gente veio pra comer bodó oferecido pelo Messias e sai com o bucho cheio dessa mistura: sardinha em lata, conserva, ovos e cerveja? Ave Maria! Mas, também, nem precisava o Messias chegar cheio de anjinhos tocando corneta numa nuvem bem branquinha. Uma, que não era esse o momento, bastava um triciclo colorido com um “cabra” pedalando e pronto. 
Bom, já era tarde da noite... bateu o cansaço e fomos para o barco dormir, sonhei com aquela mesa posta de bodó e eu, literalmente, dentro de uma caldeirada, e os bodós me beliscando querendo me comer e de repente veio um bodozão pra cima de mim, com a boca aberta, dei um grito e acordei: cansado, suado, espantado, com um odor horrível no ar, já era manhã do outro dia e estranhei! Não tinha ninguém perto da gente. O por que, eu não sei. Só sei que estávamos esperando o bodó que não veio, e muito menos o Messias.