Amigos do Fingidor

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Covid: a vida por um triz

David Almeida

                          

A noite de maior sufoco que passei; o pico mais alto da febre por COVID me atingiu em cheio. Senti minha vida se esvaindo pelo ralo, fiquei sem ar, sem chão, fui perdendo a força de viver, senti um frio de congelamento. Apaguei. Acho que fui para um outro mundo.

Era como se estivesse num túnel transparente, envolto em gelo, às vezes de cor azul bem clarinho, quase cinza, deitado numa plataforma gelada sobre um trilho – acho – de vida. Os pés congelados revelavam a temperatura do meu corpo. Sentia que tudo era muito veloz, como se minha vida estivesse passando rápido. Mas, pra onde eu iria? Será que não estava mais nesse “Planeta Ainda Azul?” Como tinha chegado ali daquele jeito? Consegui me virar um pouco, olhei pra frente e vi que era realmente um túnel, mas não tinha nada no final, só aquela transparência do gelo, às vezes de cor azul ou cinza. Tudo muito veloz e um silêncio de causar barulho em qualquer cabeça pensante, aí pensei que estaria, talvez, na estação do inverno... Meu deus me confundi todo, não mais sabia qual era a primeira, a segunda ou a última estação do tempo; fechei os olhos, mas as cores não mudavam, sentia o que me conduzia com uma velocidade a todo vapor e me dei conta que estivesse mesmo na estação do inverno, era a última, ahhhh, que tristeza, era o fim de tudo, a última estação... Mas, ao mesmo tempo me veio no pensamento que se tivesse força, tempo e paciência chegaria na primeira estação novamente. A Primavera! Aí, logo após, viria a estação da luz; da Claridez da vida: o Verão! Mas o frio me leva de novo ao inerte; a parada pra sempre da última estação era o que eu tinha, era o fim e tudo escureceu. Comecei a tremer e esqueci de mim; parecia agora, que estava correndo em câmara lenta soltando fiapos do frio que vestia meu corpo. Para mim era o final. Nada podia fazer, totalmente inerte, naquela plataforma em alta velocidade. De repente, senti algo grudar no lado direito do meu nariz, achei esquisito, passei a mão e segurei – era a primeira coisa palpável que aparecia na minha vida dentro do túnel de gelo – uma pétala de uma flor, claro que era de uma flor, uma pétala matizada de azul e branco... Comecei a abrir meus olhos e ver o túnel passar em alta velocidade, mudando lentamente de cor. A imagem era outra, eram várias cores começando a aparecer e ficar denso, sobre a rapidez colorindo tudo. Minha vida tomava outro rumo, aquele de frio e tristeza ia ficando rápido para trás. Percebi que eram flores, folhas, rosas que a partir daquele momento iam reger minha vida; era a estação da Primavera, que ia florir e perfumar meu caminho. Não sentia mais frio, só o pulsar do coração empurrando o sangue pra esquentar meu corpo, olhava e via, pela primeira vez, aquele túnel todo colorido, poxa, sentia a força do pulsar da vida em cada músculo sob a minha pele; sentia o ar perfumado e cheiroso da existência adentrar meus pulmões, oxigenar meu sangue, sentir a oportunidade de uma nova vida, de viver todas as estações pra depois voltar a vivê-las de novo; como um sol brilhando no amanhecer da vida.

Comecei a ver mudanças nas cores por entre as folhas e pétalas, via uma claridade penetrando e iluminando algumas partes, clareando mais ainda o lugar. Me virei e olhei para o final do túnel; lá estava a luz brilhante da próxima estação: a luz da minha vida, que acendia um sol no meu rosto e apagava a tristeza nele um dia contida; enfim, tinha ali a oportunidade de viver uma nova vida, passando muitas vezes por todas estações.

A plataforma que estava agora coberta com folhas, com pétalas coloridas das flores aquecidas pelo sol, foi diminuindo a velocidade, foi parando e uma multidão com roupas coloridas, me davam as boas-vindas, me aplaudindo, cantando uma música que nunca vou esquecer, e que dizia em seu refrão: “a esperança e a fé nunca te abandonarão/se estiverem sempre em teu coração”... Acordei sem febre, era um outro dia, fui abrindo os olhos, ouvindo, ainda ao longe, a canção... Depois, barulho de vozes no ambiente, era da minha família, todos sorridentes com meu estado de saúde. Ainda sem saber muito das coisas, perguntei que estação do ano era aquela. Alguém respondeu: “acho que é outono...” Só sei o que aconteceu no sonho e de tudo o que passei nele; fora dele fiquei à mercê de alguma luz que não se apagou dentro de mim e dos cuidados da minha família...: “a esperança e a fé nunca te abandonarão/se estiverem sempre no teu coração...”