Wilson Nogueira
Em A
história como metáfora e outros ensaios amorosos (edição da AAL), o poeta e
ensaísta Zemaria Pinto reúne sete artistas-pensadores entrelaçados pelos fios
do imaginário e da história do mundo criado e recriado permanentemente.
Suas
escolhas, em um primeiro momento, parecem até absurdas, afinal suas reflexões
abraçam períodos longínquos entre si, para dizer, finalmente, que o pensamento
criativo marca um momento (artístico, político, econômico, religioso,
filosófico etc.) dominante, assim como expressa os seus desvios.
É
espantoso descobrir, pela pesquisa e pela reflexão de Zemaria Pinto, que
Augusto dos Anjos (1884-1914), Machado de Assis (1839-1908), Jorge Amado
(1912-2001), Glauber Rocha (1939-1981), Gaspar de Carvajal (1500-1584),
Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875) e Manoel Nunes Pereira (1893-1985)
articulam-se no modo de imaginar e criar realidades que se confrontam com as
realidades em que viveram.
Não
escapará ao leitor atento duas perguntas a respeito desta obra.
Primeiro, o que revelará este título paradoxal que se refere à história como metáfora?
De
imediato, pensamos na história como um ramo da ciência, um conhecimento com
base na racionalidade; e a metáfora como expressão que designa relação de
semelhança com o objeto ao qual se refere um enunciado metafórico.
Segundo,
o que guarda o subtítulo “E outros ensaios amorosos”?
Este
aparece justificado, em resumo, para o leitor mais apressado, no texto-destaque
da contracapa. Mas não é só isso, há muitos mais revelações entre estas 214
páginas.
O certo
é que o leitor não passará impune por esses diabinhos apresentados pelo
autor, logo na capa. Bom sinal, porque o título de um livro, segundo o poeta
Thiago de Mello, deve afetar o leitor pela beleza e pelo prenúncio de conteúdo
instigante.
Quem
ensina isso é o autor de Silêncio e palavra e Faz escuro, mas eu
canto.
E
Zemaria é um poeta e leva a poesia para os seus ensaios, como estilo e
fundamento para a compreensão dos seus desassossegos intelectuais. Se houvesse
a possibilidade de rotular a sua escrita, seria fácil colocá-la no cânone da
prosa poética. Mas, há nesse escritor uma habilidade com as palavras que
ultrapassa as fronteiras dos gêneros literários.
Talvez
– não quero espoilar – seja a poesia o caminho comum percorrido pelos
sujeitos que ele estudou que os une em perspectiva tão distante e tão próximos
ao mesmo tempo. Há um elo que os colocam juntos e misturados, independentemente
do tempo e do espaço. Seria o fator criativo este elo?
Penso
que este livro, para o autor, foi uma ousadia realizada com competência e
qualidade, e, para o leitor, a possibilidade de uma viagem guiada pela criação
libertária até a história passada e recente da América Latina e das suas
relações com o mundo e com o universo.
Estou
muito satisfeito em conhecer melhor o meu ídolo da poesia, Augusto dos Anjos,
com a sua poesia que penetra fundo na alma humana, que incomoda pela revelação
do real e, também, pela sobreposição de enigmas em palavras, em versos.
Não
menos satisfeito estou com a exposição crítica de Terra em transe, a
história como metáfora, capítulo no qual o autor tenta resumir uma
definição para o título da obra. É uma boa dica, mas não é o suficiente, esse
enigma só vai ser descoberto com a leitura dos sete ensaios.
“[Em Terra
em transe] O expressionismo confunde-se com o próprio conceito de
modernismo, constituindo-se antes como uma visão de mundo que como um movimento
estético. É nesse sentido que Terra em transe é um filme expressionista:
antinaturalista, antiburguês, vanguardista, declamatório; utilizando
personagens deformadas; buscando a renovação a partir da denúncia do absurdo e
do grotesco das relações humanas – pessoais e políticas”, infere o autor.
Assim
pode ser compreendida, lida hoje a contrapelo, a escrita fundadora do rio
Amazonas de Gaspar de Carvajal, cravada nas dualidades devaneio ou verdade,
mito ou mistificação…
Está
sugerido, também, que Carvajal elabora a escrita seminal da história do rio
Amazonas, da Amazônia, do Brasil e da América Latina, devidamente vinculadas
com as narrativas posteriores.
Afinal,
os escritos de Colombo, assim como os de Carvajal, estavam assentados em um quê
de “realismo mágico” (definição de Gabriel García Márquez para Diários da
Descoberta da América, de Cristóvão Colombo), “onde tudo é e não é”, como
bem acentua Paes Loureiro no subtítulo de Andura.
No
prefácio, o crítico de literatura e arte Tenório Telles faz uma apresentação
detalhada da estruturação da obra por meio dos caminhos percorridos por Zemaria
Pinto, ressaltando os porquês das escolhas dos seus sujeitos de pesquisa. Este
texto é propício à inspiração de novas pesquisas a respeito do tema.
Ainda
nesse contexto, sugiro que o leitor dê uma conferida na bibliografia utilizada
por Zemaria para fundamentar este História como metáfora…
Por fim, uma boa leitura!
Publicado no site Amazon Amazônia: https://www.amazonamazonia.com.br/