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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Ensaios do escritor Zemaria Pinto revelam sutilidades da história como metáfora

Wilson Nogueira

 

Em A história como metáfora e outros ensaios amorosos (edição da AAL), o poeta e ensaísta Zemaria Pinto reúne sete artistas-pensadores entrelaçados pelos fios do imaginário e da história do mundo criado e recriado permanentemente.

Suas escolhas, em um primeiro momento, parecem até absurdas, afinal suas reflexões abraçam períodos longínquos entre si, para dizer, finalmente, que o pensamento criativo marca um momento (artístico, político, econômico, religioso, filosófico etc.) dominante, assim como expressa os seus desvios.

É espantoso descobrir, pela pesquisa e pela reflexão de Zemaria Pinto, que Augusto dos Anjos (1884-1914), Machado de Assis (1839-1908), Jorge Amado (1912-2001), Glauber Rocha (1939-1981), Gaspar de Carvajal (1500-1584), Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875) e Manoel Nunes Pereira (1893-1985) articulam-se no modo de imaginar e criar realidades que se confrontam com as realidades em que viveram.

Não escapará ao leitor atento duas perguntas a respeito desta obra.

Primeiro, o que revelará este título paradoxal que se refere à história como metáfora?

De imediato, pensamos na história como um ramo da ciência, um conhecimento com base na racionalidade; e a metáfora como expressão que designa relação de semelhança com o objeto ao qual se refere um enunciado metafórico.

Segundo, o que guarda o subtítulo “E outros ensaios amorosos”?

Este aparece justificado, em resumo, para o leitor mais apressado, no texto-destaque da contracapa. Mas não é só isso, há muitos mais revelações entre estas 214 páginas.

O certo é que o leitor não passará impune por esses diabinhos apresentados pelo autor, logo na capa. Bom sinal, porque o título de um livro, segundo o poeta Thiago de Mello, deve afetar o leitor pela beleza e pelo prenúncio de conteúdo instigante.

Quem ensina isso é o autor de Silêncio e palavra e Faz escuro, mas eu canto.

E Zemaria é um poeta e leva a poesia para os seus ensaios, como estilo e fundamento para a compreensão dos seus desassossegos intelectuais. Se houvesse a possibilidade de rotular a sua escrita, seria fácil colocá-la no cânone da prosa poética. Mas, há nesse escritor uma habilidade com as palavras que ultrapassa as fronteiras dos gêneros literários.

Talvez – não quero espoilar – seja a poesia o caminho comum percorrido pelos sujeitos que ele estudou que os une em perspectiva tão distante e tão próximos ao mesmo tempo. Há um elo que os colocam juntos e misturados, independentemente do tempo e do espaço. Seria o fator criativo este elo?

Penso que este livro, para o autor, foi uma ousadia realizada com competência e qualidade, e, para o leitor, a possibilidade de uma viagem guiada pela criação libertária até a história passada e recente da América Latina e das suas relações com o mundo e com o universo.

Estou muito satisfeito em conhecer melhor o meu ídolo da poesia, Augusto dos Anjos, com a sua poesia que penetra fundo na alma humana, que incomoda pela revelação do real e, também, pela sobreposição de enigmas em palavras, em versos.

Não menos satisfeito estou com a exposição crítica de Terra em transe, a história como metáfora, capítulo no qual o autor tenta resumir uma definição para o título da obra. É uma boa dica, mas não é o suficiente, esse enigma só vai ser descoberto com a leitura dos sete ensaios.

“[Em Terra em transe] O expressionismo confunde-se com o próprio conceito de modernismo, constituindo-se antes como uma visão de mundo que como um movimento estético. É nesse sentido que Terra em transe é um filme expressionista: antinaturalista, antiburguês, vanguardista, declamatório; utilizando personagens deformadas; buscando a renovação a partir da denúncia do absurdo e do grotesco das relações humanas – pessoais e políticas”, infere o autor.

Assim pode ser compreendida, lida hoje a contrapelo, a escrita fundadora do rio Amazonas de Gaspar de Carvajal, cravada nas dualidades devaneio ou verdade, mito ou mistificação…

Está sugerido, também, que Carvajal elabora a escrita seminal da história do rio Amazonas, da Amazônia, do Brasil e da América Latina, devidamente vinculadas com as narrativas posteriores.

Afinal, os escritos de Colombo, assim como os de Carvajal, estavam assentados em um quê de “realismo mágico” (definição de Gabriel García Márquez para Diários da Descoberta da América, de Cristóvão Colombo), “onde tudo é e não é”, como bem acentua Paes Loureiro no subtítulo de Andura.

No prefácio, o crítico de literatura e arte Tenório Telles faz uma apresentação detalhada da estruturação da obra por meio dos caminhos percorridos por Zemaria Pinto, ressaltando os porquês das escolhas dos seus sujeitos de pesquisa. Este texto é propício à inspiração de novas pesquisas a respeito do tema.

Ainda nesse contexto, sugiro que o leitor dê uma conferida na bibliografia utilizada por Zemaria para fundamentar este História como metáfora…

Por fim, uma boa leitura!


Publicado no site Amazon Amazônia: https://www.amazonamazonia.com.br/