Amigos do Fingidor

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Folia no seringal: alegoria e paródia em O amante das amazonas 2/9

 


Zemaria Pinto

Enredo

A narrativa gira em torno dos habitantes do seringal Manixi, a mais de 3 mil quilômetros de Manaus, propriedade do francês Pierre Bataillon, que ali chegara em 1876. A região era habitada pelos índios Caxinauás e Numas, antípodas: estes, guerreiros, jamais aceitaram a presença do invasor, enquanto os primeiros se deixaram escravizar e, lentamente, dizimar. Culto e refinado, Coronel Baitaillon constrói um colosso arquitetônico no seringal, o Palácio Manixi, uma espécie de Xanadu tropical, delirante representação da opulência proporcionada pelo ganho fácil na exportação do látex. Sua esposa, Ifigênia Vellarde, era, assim como ele, descendente de linhagens nobres europeias. Vieram para o Amazonas porque a saúde de Bataillon pedia “climas quentes”. Os dois morrem em um naufrágio, no rio Juruá, em 1910. Pouco antes, intuindo a queda nos preços internacionais, o Coronel vendera o seringal a Antônio Ferreira, testa de ferro de um comendador de Manaus, que já havia comprado outras áreas adjacentes. O filho deles, Zequinha Bataillon, nascido a bordo do navio Adamastor, em 1890, quando sua mãe fugia de um surto epidêmico de malária, tem como maiores amigos dois caxinauás: Paxiúba, o Mulo, espécie de guarda-costas e pau-pra-toda-obra, e Maria, pouco mais velha que ele, “segunda mãe e primeira amante” (p. 77).  Educado em Paris, Zequinha retorna em 1908, passando, com os dois amigos, a “viver no exótico, pela singularidade da vida afastada dos costumes e expectativas gerais” (p. 86). Quatro anos depois, dá-se o desaparecimento misterioso de Zequinha, que vai pontuar toda a narrativa.

Capa da 2a. edição.
Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.

        É importante salientar o simbolismo dessas datas. Em 1910, começa o declínio do comércio internacional da borracha. Em 1912, os seringalistas compreendiam que aquela era uma viagem sem volta. Poucos seringais insistiam em se manter ativos, buscando diversificar a produção com outros itens. O Manixi, decadente, fora abandonado pelos novos donos.

O mais conhecido romance sobre o período, A selva (1930), de Ferreira de Castro, de cunho naturalista tardio, situa sua ação no período 1919-1921 e esta é, entre tantas outras, sua maior falha, porque o pretenso realismo da ficção se anula quando cotejada com a realidade: à época, a economia baseada no extrativismo do látex já estava reduzida a pó.[1]   

A partir de 1912, dá-se uma guinada na narrativa, conduzida por Ribamar de Sousa, que até então mantivera-se discreto, semioculto diante dos fatos contados, assumindo o protagonismo da trama, que passa a ter como moldura e fundo não mais a selva amazônica, mas a deslumbrante Manaus, a Paris dos trópicos, que, por reflexo do que acontecia nos seringais, afundava-se em ruínas – não há antonímia digna para deslumbrante.

As peripécias narradas por Ribamar envolvem desde expedições em busca de Zequinha Bataillon até a revelação sobre um tesouro desaparecido do palácio Manixi. De humilde imigrante a senador da república, “uma das fortunas mais sólidas de Manaus” (p. 143), Ribamar conduz o leitor ao desfecho da trama, valendo-se de uma narrativa feérica, em que não falta nem mesmo um paradoxo temporal.


Assista à palestra completa, no YouTube, clicando aqui.

 



[1] Ver PINTO, Zemaria. A selva: a verdade da ficção e a ficção da verdade. Manaus: Valer, 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1p2fNt5_aYezgM-dCTsinsabVSg-ry2Br/view