Pedro Lucas Lindoso
O
Brasil continua dividido. Nem mesmo esse vírus terrível arrefeceu os ânimos.
Pelo contrário. A pandemia se misturou com política. Há brasileiros enfrentando
a morte em meio a desavenças políticas entre familiares e amigos.
Não sei
o que é pior. Se o coronavírus ou o vírus da intolerância e do maniqueísmo.
Recuso-me a viver num mundo em que só temos dois aspectos opostos e
incompatíveis.
Fulano,
conservador e religioso, criticou o atraso da vacinação por parte do governo
federal. Foi cancelado e expulso de grupos de WhatsApp, taxado de esquerdopata.
Beltrano, militante do PT, confessou que tomou Ivermectina como profilaxia para
a covid. Também foi expulso e cancelado de grupos de WhatsApp. Acusado de
negacionista.
A
palavra “cancelamento” foi ressignificada em 2020. O cancelamento ocorre em
redes sociais, inclusive em grupos de WhatsApp. Um membro do grupo acusa outro,
em tom condenatório, de algum ato ou declaração reprovável. O sujeito é
cancelado.
Pasmem!
Há um grupo que desde sempre agasalhava Fulano e Beltrano. Ambos são católicos praticantes. Fazem parte
de um grupo de Encontro de Casais da Igreja.
Tudo indo bem no grupo. Até que começaram os debates sobre a campanha da
Fraternidade de 2021. Neste ano, a Campanha tem como tema “Fraternidade e diálogo:
compromisso de amor” e lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma
unidade”.
Como
católico, penso que a Campanha da Fraternidade é um chamado ao Evangelho.
Sempre na Quaresma. Entretanto, ao condenar o racismo, a violência, a
intolerância, inclusive contra LGBTs, a campanha deste ano despertou a ira de
grupos católicos conservadores.
Fulano
e Beltrano estão desolados. O grupo da Igreja era o único local em que tinham
convergência e podiam exercitar com alegria e cristandade a troca de memes e
mensagens. Fulano pediu ao grupo que esqueçam um pouco essa polêmica. Beltrano
lembrou que o que tiver que ser criticado deve ser feito com serenidade.
Eu fico
meditando sobre o lema “Cristo é a nossa paz!”. Que paz é essa, meu Deus?!
Estou
lendo a biografia de Jorge Amado, da jornalista e historiadora Joselia Aguiar.
Um trabalho magnífico. Jorge foi deputado pelo Partido Comunista, mas depois
renegou o comunismo. Para o casal Jorge e Zélia, nada mais castradora do que a
divisão entre esquerda e direita.
Grande
verdade. Nada mais abominável. Em tempo de Campanha da Fraternidade não cabem
cancelamentos.