Amigos do Fingidor

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Fraternidade e cancelamentos

 Pedro Lucas Lindoso

 

O Brasil continua dividido. Nem mesmo esse vírus terrível arrefeceu os ânimos. Pelo contrário. A pandemia se misturou com política. Há brasileiros enfrentando a morte em meio a desavenças políticas entre familiares e amigos.

Não sei o que é pior. Se o coronavírus ou o vírus da intolerância e do maniqueísmo. Recuso-me a viver num mundo em que só temos dois aspectos opostos e incompatíveis.

Fulano, conservador e religioso, criticou o atraso da vacinação por parte do governo federal. Foi cancelado e expulso de grupos de WhatsApp, taxado de esquerdopata. Beltrano, militante do PT, confessou que tomou Ivermectina como profilaxia para a covid. Também foi expulso e cancelado de grupos de WhatsApp. Acusado de negacionista.

A palavra “cancelamento” foi ressignificada em 2020. O cancelamento ocorre em redes sociais, inclusive em grupos de WhatsApp. Um membro do grupo acusa outro, em tom condenatório, de algum ato ou declaração reprovável. O sujeito é cancelado.

Pasmem! Há um grupo que desde sempre agasalhava Fulano e Beltrano.  Ambos são católicos praticantes. Fazem parte de um grupo de Encontro de Casais da Igreja.  Tudo indo bem no grupo. Até que começaram os debates sobre a campanha da Fraternidade de 2021. Neste ano, a Campanha tem como tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”.

Como católico, penso que a Campanha da Fraternidade é um chamado ao Evangelho. Sempre na Quaresma. Entretanto, ao condenar o racismo, a violência, a intolerância, inclusive contra LGBTs, a campanha deste ano despertou a ira de grupos católicos conservadores.

Fulano e Beltrano estão desolados. O grupo da Igreja era o único local em que tinham convergência e podiam exercitar com alegria e cristandade a troca de memes e mensagens. Fulano pediu ao grupo que esqueçam um pouco essa polêmica. Beltrano lembrou que o que tiver que ser criticado deve ser feito com serenidade.

Eu fico meditando sobre o lema “Cristo é a nossa paz!”. Que paz é essa, meu Deus?!

Estou lendo a biografia de Jorge Amado, da jornalista e historiadora Joselia Aguiar. Um trabalho magnífico. Jorge foi deputado pelo Partido Comunista, mas depois renegou o comunismo. Para o casal Jorge e Zélia, nada mais castradora do que a divisão entre esquerda e direita.

Grande verdade. Nada mais abominável. Em tempo de Campanha da Fraternidade não cabem cancelamentos.