Testamento
Alda
Lara (1930-1962)
À prostituta
mais nova
do bairro
mais velho e escuro,
deixo os
meus brincos, lavrados
em cristal,
límpido e puro...
E àquela
virgem esquecida
rapariga sem
ternura,
sonhando
algures uma lenda,
deixo o meu
vestido branco,
o meu
vestido de noiva,
todo tecido
de renda...
Este meu
rosário antigo
ofereço-o
àquele amigo
que não
acredita em Deus...
E os livros,
rosários meus
das contas
de outro sofrer,
são para os
homens humildes,
que nunca
souberam ler.
Quanto aos
meus poemas loucos,
esses, que
são de dor
sincera e
desordenada...
esses, que
são de esperança,
desesperada
mas firme,
deixo-os a
ti, meu amor...
Para que, na
paz da hora,
em que a
minha alma venha
beijar de
longe os teus olhos,
vás por essa
noite fora...
com passos
feitos de lua,
oferecê-los
às crianças
que
encontrares em cada rua...