Amigos do Fingidor

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Vá se vacinar, Sputnikova

Pedro Lucas Lindoso


Preocupado com tia Idalina, mandei um link do Google Meet para conversar on-line com titia. Perguntei-lhe se já tinha se vacinado. Ela me disse que estava na próxima etapa. Estavam vacinando os maiores de 80 anos. Ela insiste em dizer que tem só setenta. Abomina a palavra idosa. Gasta sempre seu francês e se diz somente um pouquinho “agée”. Não é verdade.

Idalina já estava na faculdade quando os russos lançaram o Sputnik, em 1957. Idalina tem sim, mais de oitenta.  É ela mesma quem conta essa história:

– O Sputnik foi o primeiro satélite artificial da Terra. Foi lançado pela União Soviética em outubro de 1957. Jamais me esqueci disso. Namorava um broto legal comunista.

Quem ainda vivo e com menos de oitenta anos chama ex-namorado de broto legal?

E continuou dizendo que o satélite orbitou a Terra por seis meses antes de cair. Que o tal “broto legal” sugeriu que ela estudasse russo pois iriam se casar e morar na União Soviética, como se chamava a Rússia antes da queda do Muro de Berlim.

Nas primeiras aulas de russo aprendeu que os sobrenomes na língua russa também têm formas femininas que terminam com “ova”, finalizados em “a”, assim como a maioria dos substantivos femininos.

Concluiu que se fosse morar na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas seria chamada de Santosova. O sobrenome do “broto legal” comunista de Idalina era Santos. Idalina não gostou. Desistiu das aulas de russo e do tal broto.

Se pelo menos pudéssemos adotar o codinome dele – Sputnik – eu seria conhecida como Sputnikova. Mais apropriado, segundo titia. Na clandestinidade, o rapaz era conhecido como Sputnik.

Disse a ela que não diria a ninguém que ela é da época em que Sputnik era somente satélite e não vacina.

– Pois é, retrucou. Os russos são “experts” em vacinas. A tal Sputnik é uma das melhores produzidas contra esse terrível corona. O Brasil deveria ter feito como a Argentina. Comprado a vacina dos russos. Mas parece que ainda vão comprá-la. Eu vou esperar a chegada das sputniks, as vacinas russas. Elas são bem melhores que essas que estão aplicando no Brasil.

Eu disse a titia para deixar de pavulagem e ir já se vacinar. Esse vírus é letal e perigoso para a terceira idade. Como ela gosta de trocadilhos, brinquei com ela:

– Esperar uma ova. Vá se vacinar, Sputnikova.